O capim dourado gera renda para comunidades tradicionais, especialmente os quilombolas - Foto: Emerson da Silva/WWF-Brasil

A artesã quilombola Antonia Ribeiro da Silva é uma entusiasta do capim dourado (Syngonanthus nitens), uma haste brilhante com uma pequena flor branca na ponta que pertence à família das sempre-vivas e ocorre em abundância nos campos úmidos próximos às veredas do Cerrado. No Jalapão, região onde Antonia vive, a planta é considerada “o ouro do Tocantins”, pois sua haste cuidadosamente trabalhada é transformada em objetos de diversos tipos, gerando renda para comunidades tradicionais, especialmente quilombolas – e é também um importante fator para a conservação do ecossistema local.  

“Tudo de bom que nós temos aqui vem do capim dourado”, diz Tonha, como gosta de ser chamada, apontando para as casas de sua comunidade, no quilombo Mumbuca. “Nós saímos da pobreza com o capim dourado. Aqui as pessoas não tinham geladeira, nem cama. E hoje a gente se considera rico. Quando eu faço as peças de artesanato e coloco na loja, tenho retorno de verdade.” 

É na loja da Associação dos Artesãos e Extrativistas do Povoado do Mumbuca que Tonha e outras mulheres quilombolas vendem sua produção de chapéus, cestos, fruteiras, vasos, mandalas, bandejas, bio-joias, bolsas, abajures e outros objetos feitos com o capim dourado. O trabalho exige um conhecimento que faz parte da tradição da comunidade. A colheita requer um manejo preciso e muita paciência, pois o capim dourado precisa estar seco e não pode ser retirado antes da hora. Apesar do nome, ele não é um tipo de capim, ou seja, não pertence à família das gramíneas. 

“Na hora da colheita, a gente conhece os segredos. Tem que arrancar o capim com humildade, na vereda onde ele está bem dourado”, ensina outra moradora do quilombo Mumbuca, Noeme Ribeiro da Silva, a Dotora. “A gente tira as sementinhas e joga no campo, para ele ficar fortalecido e devolver um lindo capim dourado para a gente no outro ano. O capim dourado é uma forma do quilombo se fortalecer no território e fortalecer nossa associação. Nós respeitamos o Cerrado porque ele é vida e felicidade”. 

A associação da comunidade Mumbuca, assim como outras do Jalapão, faz parte de uma abrangente rede de cooperativas e organizações dedicadas a fortalecer o mercado para produtos derivados da sociobiodiversidade do Cerrado. O WWF-Brasil, que também faz parte dessa rede, atua em parceria com 38 empreendimentos comunitários no bioma. Os projetos apoiados envolvem mais de 5 mil famílias, que em 2021 produziram e beneficiaram 1.885 toneladas de frutos nativos como o baru, o pequi, o buriti, o babaçu e o capim dourado. 

“O extrativista precisa da árvore em pé e é por isso que esse trabalho traz uma contribuição grandiosa para a conservação do bioma”, afirma Kolbe Soares, especialista em conservação do WWF-Brasil. “Boa parte dessas ações é feita em Unidades de Conservação de uso sustentável, terras indígenas, quilombolas e outros tipos de áreas protegidas, numa importante demonstração do aproveitamento equilibrado dos recursos naturais.” 

De acordo com Ana Carolina Bauer, analista de conservação do WWF-Brasil, a valorização das cadeias da sociobiodiversidade fortalece as comunidades que lutam para proteger seus territórios de invasões e desmatamento. “Ao fomentar a economia dos produtos do Cerrado, nós apoiamos a geração de renda e a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas. Isso torna também mais robusta a organização social dessas comunidades”, diz. 

“A parceria com as associações dos quilombos Mumbuca e do Prata e dos Produtores de Mateiros, no Jalapão, ainda está em estágio inicial. Estamos focando em duas frentes de ações para ajudar a estruturar e fortalecer a produção de capim dourado, além da abertura de novos mercados e ampliação da comercialização”, destaca Ana Carolina.  

Desde 2018, além de atuar com organizações de base comunitária como cooperativas agroextrativistas e associações, o WWF-Brasil intensificou seus trabalhos relacionados à sociobiodiversidade no Cerrado, apoiando também redes, especialmente a Central do Cerrado, que contempla cerca de 30 organizações do bioma e da Caatinga, e também o Núcleo do Pequi, uma rede com 17 organizações do Norte de Minas Gerais. 

Cadeias produtivas diversas 

“Temos parceiros que atuam regionalmente, como a Cooperativa dos Agricultores Familiares e Agroextrativistas Grande Sertão, de Montes Claros, por exemplo, que é um grande caso de sucesso. Está presente em mais de dez municípios no Norte de Minas Gerais, envolve 2 mil famílias e atua fortemente na cadeia do buriti”, pontua Soares. 

Um dos resultados dessa parceria foi o fortalecimento das negociações com uma grande empresa de cosméticos. “Foram fornecidas 15 toneladas de óleo de buriti certificado na última safra – o que corresponde a 375 toneladas de frutos processados. E o crescimento dessa demanda é acelerado”, salienta Soares.  

“Além do buriti, atuamos em diferentes cadeias produtivas do extrativismo, como as do pequi e do coquinho azedo”, afirma o engenheiro de alimentos José Fábio Soares, coordenador da Cooperativa Grande Sertão. “Em cada uma delas há um trabalho socioambiental muito forte, que busca agregar valor aos produtos, envolvendo as famílias das comunidades tradicionais, gerando renda e movimentando a economia local de forma sustentável, conciliando assim a produção com a conservação do Cerrado.” 

Além dos produtos do Cerrado, a cooperativa também trabalha com o umbu, fruto nativo da Caatinga. “Sempre estamos pesquisando o desenvolvimento de novas cadeias produtivas. Em todas nas quais atuamos, estamos em constante processo de inovação tecnológica para nossos produtos e processos, desde a produção até o marketing, envolvendo as pessoas que estão na base do beneficiamento dos produtos, agregação de valor e comercialização”, conta o engenheiro de alimentos. 

De acordo com ele, os projetos com o WWF-Brasil têm sido fundamentais para a sustentabilidade desse arranjo produtivo. “O WWF-Brasil tem sido um grande parceiro. Há dois anos, começamos a contar com esse apoio que envolve desde o desenvolvimento das cadeias, até assessoria técnica, passando por manutenção de campo, aquisição de insumos, produção de materiais didáticos e apoio logístico”, salienta.  

Na parceria do WWF-Brasil com a Grande Sertão também são apoiados e fortalecidos arranjos comerciais da própria cooperativa, como no caso de uma grande empresa de ingredientes naturais e orgânicos, para fornecimento de óleo de pequi; uma rede de supermercados da região Norte do país, para fornecimento de pequi congelado; um fabricante de extratos naturais, para fornecimento de fava d’anta; além de uma rede de supermercados atacadistas, para o fornecimento de diversos produtos. Na região, os projetos também apoiaram a conexão com uma empresa estrangeira de biotecnologia vegetal, para fornecimento de óleo de buriti e da casca do juazeiro.  

A demanda por produtos da sociobiodiversidade provenientes de organizações de base comunitária em arranjos de comércio justo é crescente. E o apoio para o fortalecimento dessas organizações, da produção e das estratégias de comercialização, é fundamental para que elas estejam no centro dessas atividades comerciais, garantindo o manejo adequado e a conservação das áreas de Cerrado em seus territórios.  

No Maranhão, por exemplo, predomina a cadeia do babaçu. “Apoiamos o Consórcio Babaçu Livre, que por enquanto agrega 12 organizações comunitárias, governo estadual, universidade e duas empresas, buscando maior compromisso dos atores envolvidos com a sustentabilidade da cadeia e aumento de produção”, ressalta Soares. 

Eliminando intermediários 

No fortalecimento das cadeias agroextrativistas, o WWF-Brasil apoiou a Central do Cerrado, uma cooperativa de segundo nível que agrega cooperativas e associações  comunitárias do Cerrado e da Caatinga , além de uma rede de organizações comunitárias do Norte de Minas ligada à cadeia do pequi e outros frutos (Núcleo do Pequi) e outras cooperativas e associações comunitárias: Cooperuaçu, Copabase, Ceppec, entre outras. 

“Em relação à sustentabilidade econômica das organizações comunitárias, tivemos ações de assessoria especializada e desenvolvimento de negócios, como com o Impact Hub, que forneceu apoio às cooperativas, e o Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus)”, frisa Soares.  

No caso da parceria com o Conexsus, foram realizados os processos de assessoria para acesso a crédito e fortalecimento da gestão organizacional, assim como de modelagem de negócios. Foram beneficiados 26 empreendimentos comunitários ligados à Central do Cerrado e ao Núcleo do Pequi. 

“Um dos problemas históricos do extrativismo é a questão dos intermediários. Por isso, trabalhamos diretamente com os empreendimentos comunitários e recomendamos aos extrativistas que estejam filiados e, às empresas, que paguem um preço mais justo para que o atravessador possa ter o seu papel diminuído”, explica Soares. 

Outro importante resultado do trabalho com as cooperativas e associações comunitárias foi abrir mercado para os produtos, envolvendo não só a comercialização, mas os arranjos comerciais para fortalecer o escoamento da produção.  

“Uma das parcerias com maior impacto nesse sentido é a que temos com a Central do Cerrado. Na cadeia do baru, por exemplo, conseguimos auxiliar a exportação de 20 toneladas nas últimas safras. Também demos condição para que a Central do Cerrado ampliasse sua  infraestrutura física, com mais espaço para armazenamento e beneficiamento dos produtos. Essas ações resultaram em um crescimento vertiginoso da Central em relação à movimentação financeira e em maior renda para os extrativistas”, destaca Soares. 

com informações do WWF-Brasil*