SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo da Índia determinou nesta quinta (2) a inspeção de todas as marcas de misturas de especiarias em pó para uso culinário, como o curry. O motivo é a suspeita de contaminação por um produto químico que pode causar câncer em seres humanos.

Os indianos são os maiores produtores, consumidores e exportadores mundiais desse tipo de tempero, apreciado há séculos —a própria globalização é um subproduto da era das navegações iniciada no século 15, quando potências europeias disputavam rotas comerciais de especiarias.

A investigação foi determinada depois que Hong Kong suspendeu no mês passado as vendas de três misturas de temperos da empresa MDH e do curry para peixes da Everest, a mais popular marca indiana, que também foi banida temporariamente em Singapura.

Os dois países apontaram níveis inaceitáveis de óxido de etileno nos temperos. O produto é um potente desinfetante, usado em esterilização hospitalar, e é usado ilegalmente para matar fungos e insetos que podem ser encontrados em produtos prontos como as misturas de especiarias.

A exposição prolongada ao composto é associada a risco cancerígeno e mutagênico aumentado. Seu uso é proibido na Índia e em outros países, e as empresas disseram à imprensa local que seu produtos são seguros.

“Todos os produtos serão analisados”, afirmou em nota a Autoridade de Segurança e Padrões de Alimentos da Índia, o órgão regulador do setor. Só o mercado doméstico movimenta mais de US$ 10 bilhões (R$ 50 bilhões) por ano, segundo um estudo da Zion Market Research citado pela agência Reuters.

Já as exportações, segundo o governo indiano, somaram US$ 4 bilhões (R$ 20 bilhões) de 2022 a 2023. Analistas de mercado do país temem que metade disso possa ser afetado por um efeito cascata de suspensão de vendas por outros países —particularmente a China.

As especiarias são intrinsecamente ligadas à imagem da Índia. O curry, nome genérico para dezenas de combinações diferentes com fins culinários específicos, é sinônimo de comida do país no mundo todo, e parte do cotidiano da nação mais populosa do planeta.

A inspeção das marcas industriais poderá ser eficaz, mas certamente ficarão de fora as milhares de opções que os moradores do país encontram em qualquer esquina, a maior parte das vezes em sacos com produtos a granel.

Na capital indiana, Nova Déli, o maior mercado de especiarias do país impressiona não só pelo assalto sensorial a que os visitantes são expostos, mas também às condições gerais de higiene. Há estabelecimentos bem reputados que vendem o produto ensacado meticulosamente e rotulado, com selos de inspeção, mas o grosso é vendido na rua.

Eles ficam armazenados em antigos prédios coloniais britânicos no centro velho da cidade, ao longo das vielas do mercado, onde trabalhadores moram em condições precárias entre sacos de pimentas e sementes variadas.

Há muita umidade e calor nesses locais, o que favorece práticas ilegais para evitar que fungos se proliferem nos estoques, como o emprego do óxido de etileno.

As misturas de especiarias são muito apreciadas por turistas. Em um dos centros mais reputados do país por seus temperos, Jodhpur (no Rajastão, noroeste indiano), a popular loja Maharani está sempre lotada de estrangeiros atrás de seus curries —vendidos ao equivalente a R$ 12 por uma embalagem com 150 gramas.