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A decisão implicará na política de cotas do estado, tendo em vista as características socioeconômicas dos estudantes da região. 

Por unanimidade de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a política de cotas que reserva 80% das vagas oferecidas pela Universidade do Estado do Amazonas a estudantes da região. Os ministros concordaram, em julgamento virtual finalizado na última segunda-feira (24), que o percentual é excessivo, mas não há maioria formada quanto à tese.

O placar atual é de 5X4X1, com três soluções distintas, propostas respectivamente por Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e pelo ministro aposentado Marco Aurélio, relator do RE 614.873 (Tema 474 da repercussão geral), no qual a matéria é discutida. Como não foi atingido quórum de maioria absoluta (seis votos), é preciso aguardar a proclamação do resultado final em plenário.

O caso foi iniciado após o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM), reconhecer o direito de um vestibulando a se matricular no curso de engenharia oferecido pela universidade independentemente da reserva de vagas. O estudante não estava apto por não ter cursado todo o ensino médio no estado, apenas o terceiro ano. Na ocasião , a universidade recorreu ao STF argumentando que a política de cotas é baseada no

princípio da equidade, que trata de maneira diferente pessoas que estão em posição de vulnerabilidade. Ainda segundo a instituição, não é razoável que estudantes do Amazonas – um estado pobre e periférico – concorram em condições de igualdade com alunos dos grandes centros urbanos.

O ministro Roberto Barroso, que teve voto seguido por Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Nunes Marques, considerou que apesar das intenções para a implementação da ação serem legítimas, a reserva de 80% das vagas de universidade pública estadual a estudantes locais é inconstitucional por ser discriminatória. “É bem verdade que o Amazonas é menos desenvolvido do que outros Estados da federação e que seus residentes eventualmente não tiveram acesso à mesma educação que pessoas provenientes de outros lugares do país”, mas esse não é um critério legítimo para justificar a ação afirmativa e a flexibilização do princípio de igualdade de acesso ao ensino superior”, afirmou o ministro. 

Para Barroso, a política de cotas “atenua excessivamente” a diversidade do corpo discente e nega oportunidades a pessoas em situação de vulnerabilidade ainda maior, como aquelas de estados menos desenvolvidos do que o Amazonas. Trata-se, pois, de um critério injustificável, inidôneo e discriminatório”.

Já o ministro Alexandre de Moraes, que teve o voto seguido por Edson Fachin, Rosa Weber e Gilmar Mendes, reconheceu que é inconstitucional a reserva de vagas em universidades públicas estaduais que exija que os candidatos tenham cursado o ensino médio integralmente no estado, sem especificar um percentual.

Marco Aurélio, que teve voto isolado, por ser relator do curso, proferiu o voto mais aderente ao pedido da universidade. Ele defendeu que a política de cotas, a não ser pelo percentual, não conflita com a Constituição. “Em última análise, pretendeu-se a efetividade da própria Carta”, disse. Para ele, o problema da ação afirmativa foi o percentual, que “não se mostra razoável”. Ele propôs a fixação de um teto de 50% a reserva de vagas para o caso do Amazonas e a tese de que as políticas de cotas de universidades públicas devem respeitar os critérios de razoabilidade e as diferenças locais.

Em 2012, acompanhamos os debates, atos públicos, matérias e tantas outras manifestações favoráveis e contrárias à implementação das cotas raciais nas universidades brasileiras. Na época, muito se falou sobre os impactos das cotas raciais para o acesso à educação, e, como era de se esperar, a pauta colocou em evidência o racismo estrutural tão marcante em nossa sociedade. 

Para Bruna Brelaz, presidente da UNE, a implementação das cotas no estado trouxe o acesso e oportunidades educacionais antes não existentes, provocando grandes mudanças de pensamento e de possibilidades de ocupabilidade.

“É uma política pública que busca a reparação no acesso às oportunidades no ensino superior, na pós-graduação e no mundo do trabalho. Ela reduz as desigualdades econômicas, sociais e educacionais e é uma das principais causas da democratização da graduação no país, antes reservada às elites. As cotas ampliam a abrangência de atuação da universidade, levando os conhecimentos produzidos às periferias e ao interior do país”, afirmou.

Ao ser questionada sobre como a decisão do Supremo prejudicará os estudantes a terem o acesso ao ensino superior, Brelaz diz que a Universidade Estadual do Amazonas (UEA), foi idealizada e criada com o intuito de atender a população amazonense. “Temos que levar em conta os aspectos regionais da universidade. A UEA foi fundada com a  concepção de atender a população, desenvolver o estado e interiorizar o ensino superior.  Os estudantes amazonenses, devido às características do estado, percorrem grandes distâncias para acessar escolas, o que afeta, obviamente a concorrência, por isso a importância de garantir a reserva de vagas para os estudantes de escola pública do estado e assim fortalecer os caminhos para redução das desigualdades. Além disso, é comum que a maior parte dos estudantes retorne às suas regiões de origem após a diplomação, o que impacta nas funções desempenhadas pela instituição no estado do Amazonas”, ressaltou. 

UEA 

Em nota, a UEA afirmou que vai cumprir a decisão. A Universidade informou que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) também vai estudar a viabilidade de um recurso. No texto, a UEA afirma que a cota possibilitou o ingresso de mais estudantes do Amazonas no ensino superior, “atendendo a necessidades específicas em virtude das características peculiares do Estado”.

Leia abaixo a íntegra da nota:

“A Universidade do Estado do Amazonas (UEA) informa que vai cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). E adianta que está formando um grupo de trabalho para avaliar melhor a situação e ver, de que forma, passará a atender as demandas por vagas sem prejudicar a sociedade amazonense. Em paralelo, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) também reforça que irá estudar o caso. A UEA reforça que o sistema de cotas foi, durante os últimos anos, instrumento fundamental para o ingresso de alunos da rede pública do Amazonas na universidade pública, bem como alunos oriundos de municípios, democratizando o ensino superior no estado e atendendo a necessidades específicas em virtude das características peculiares do Amazonas”.

Por: Camili Vitória