A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que deve ser votada em segundo turno nesta terça-feira na Câmara, é apontada como grande solução orçamentária para viabilizar o novo Auxílio Brasil de R$ 400. Mas a medida pode criar uma fila a perder de vista para quem tem dívidas a receber de ações judiciais contra a União, inclusive aposentados e pensionistas do INSS.
E um acordo feito na semana passada para viabilizar a votação da PEC em primeiro turno na Câmara devem aumentar ainda mais esta “fila”.
Os precatórios são dívidas judicias para as quais o governo não pode mais recorrer. A PEC cria um teto para o pagamento dessas dívidas. Em 2022, esse teto será de R$ 44,5 bilhões. Mas o total de dívidas judiciais que deveriam ser quitadas no ano que vem é de R$ 89 bilhões.
Assim, metade dos títulos ficará para ser pago no ano seguinte — quando novos precatórios também entrarão na conta.
Fila de prioridades
A proposta estabelece uma fila de prioridades para pagamento. Na semana passada, um acordo costurado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou ainda uma nova preferência para o pagamento de dívidas da União com estados relativas ao Fundef (fundo da educação básica).
Também estão entre prioritários os precatórios alimentares (como os relativos a salários de servidores e dívidas do INSS), de idosos, pessoas com deficiência e portadores de doenças graves, além de requisições de pequeno valor (até R$ 71,5 mil).
Na equipe econômica, a conta é que apenas esses precatórios cheguem a R$ 21 bilhões.
Além disso, outros R$ 7 bilhões já estão carimbados para pagar o Fundef, já que o acordo negociado por Lira prevê que 40% da dívida com o fundo educacional seja paga em 2022. No fim das contas, haverá pouco espaço para grande parte dos precatórios. E até os “prioritários” podem ficar sem receber.
Integrantes do governo reconhecem que mesmo precatórios alimentares, referentes a pensões, aposentadorias, salários ou indenizações por morte, não serão integralmente quitados, mesmo tendo prioridade em relação aos demais títulos.
Outros precatórios, como de empresas que venceram ações contra o governo, também serão adiados.
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“Isso vai gerar um efeito bola de neve, porque o que não for pago em um ano, vai passar para o ano seguinte. O acúmulo vai ser absurdo e vai chegar num momento em que vai ser impagável. A lógica no mercado é de calote, e calote na coisa mais segura que existe, que é uma decisão transitado em julgado”, disse Fernando Facury Scaff, sócio do Silveira Athias Advogados e professor de Direito da USP.
Controle sobre emissão
O presidente da comissão de precatórios da OAB, Eduardo Gouvêa, corrobora esta avaliação:
“Os precatórios comuns não vão ser pagos nunca”, afirma Gouvêa, que também aponta problemas na execução da PEC, caso ela seja aprovada.
“Como vai ser possível controlar a emissão de precatórios, sem saber quanto vai ser e o que vai ser pago de fato no ano? Não vai ter dinheiro para pagar nem a totalidade dos precatórios alimentícios”, completa.
A PEC ainda permite que um credor receba a vista, desde que aceite um desconto de 40% na sua dívida. Para especialista, muitos credores podem acabar aceitando receber um valor menor para evitar entrar nesta fila sem fim dos precatórios.
Além disso, o mercado de empresas que compram dos credores essas dívidas por um valor bem menor tende a crescer.
“Hoje, as empresas buscam insistentemente os donos desses papéis para comprar os precatórios, muitas vezes induzindo os credores a acharem que nunca receberão, o que é uma inverdade. Com a aprovação da PEC, teremos, talvez, um movimento inverso: as pessoas procurando essas empresas para vender com medo de nunca receberem”, avalia Diego Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Segundo a advogada Cristiane Saredo, os mais afetados serão os precatórios relacionados às verbas alimentares, normalmente devido a servidores e a aposentados e pensionistas do INSS.
“Depois de anos para ter seu dinheiro reconhecido na Justiça, o cidadão ainda terá que esperar pela concretização do seu direito”, afirma.