BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Enquanto a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados não realizou nem uma sessão sequer neste ano, projetos de lei que enfraquecem a legislação ambiental ganham força no Congresso Nacional.

Algumas das proposições avançam driblando os plenários da Câmara ou do Senado -a exemplo do caso das “boiadinhas” em 2022, como mostrou a Folha de S.Paulo à época.

Um dos projetos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado propõe a redução da área de proteção da Amazônia Legal e pode abrir caminho para o desmatamento de 8,5 milhões de hectares, segundo o Observatório do Código Florestal.

O conjunto, de cinco textos, ainda pretende validar a derrubada de uma área que pode chegar a 1,5 vez o tamanho da Alemanha, reduzir a tributação de atividades poluidoras, permitir a construção de barragens em áreas de preservação permanente e transferir terrenos da União (inclusive florestas nacionais) aos estados.

Há a expectativa de que o Senado aprove, neste ano, o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a proposta pode impactar 80 mil empreendimentos no país.

“O Legislativo está na contramão do mundo ao impor graves retrocessos para o meio ambiente e o clima em nome de interesses privados e imediatos. Se aprovado esse pacote da destruição, não haverá futuro com bem-estar social e dignidade para a população”, afirma Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA (Instituto Socioambiental).

Enquanto isso, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara está paralisada -ela nem chegou a eleger o seu presidente.

“Nós cobramos que se instale a comissão o mais rápido para ter um local onde possamos debater esses projetos, que vão na contramão de tudo aquilo que a sociedade brasileira espera, que o mundo espera, e que vão contra a própria Constituição”, afirma Nilto Tatto (PT-SP), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista.

Por acordo entre deputados, a presidência do grupo é do MDB, que até agora não indicou o nome para ocupar o posto.

Uma das mais cotadas é Elcione Barbalho (MDB-PA), mãe de Helder Barbalho (MDB), governador do Pará -estado que, em 2025, receberá a COP30, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas).

Se o grupo ambiental segue estagnado, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sob presidência de Caroline de Toni (PL-SC), avança propostas antiambientais. Por exemplo, dois projetos que querem restringir a taxa de controle e fiscalização ambiental por atividades potencialmente poluidoras -verba que alimenta o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Um deles quer reduzir a base de cálculo dessa taxa e limitar sua cobrança às atividades licenciadas pela União -o que excluiria grande parte da mineração, por exemplo. Ele foi aprovado na última quarta-feira (17), de forma conclusiva, o que significa que vai ao Senado sem precisar passar por votação entre todos os deputados no plenário.

O segundo texto também já foi aprovado na CCJ e isenta a silvicultura -como a monocultura de eucalipto e pinus- do tributo. Ele aguarda votação no plenário.

Covatti Filho (PP-RS), relator de ambos, defende que as mudanças aperfeiçoam a legislação. “A silvicultura deve ser reconhecida como uma atividade que, além de produtiva, é aliada da conservação ambiental”, diz.

“Houve mudanças significativas nas legislações ambiental e tributária do país, o que justifica a necessidade de uma aplicação justa e atualizada [do cálculo da taxa]”, completa.

Suely Araujo, ex-presidente do Ibama e atual coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, afirma que os projetos estão em desacordo com entendimentos do STF (Supremo Tribunal Federal) e que a silvicultura tem potencial poluidor.

“Essas exclusões de atividades da taxa de controle e fiscalização ambiental sequer se justificam: é em regra uma taxa com valor baixo para o contribuinte. As propostas soam como ataques ao próprio Ibama”, diz.

A CCJ também chegou a pautar um projeto que permitiria a construção de barragens e desvios de rios dentro de áreas de preservação, mesmo em caso de destruição da vegetação nativa, para alimentar o agronegócio. O texto tramita em caráter conclusivo.

“O projeto promove a apropriação privada da água. A água é um bem de domínio público e a sua gestão visa garantir o uso múltiplo a toda coletividade. É um grave atentado que pode levar a desmatamentos em área de preservação permanente e intensificar impactos do clima, criando conflitos por uso da água”, afirma Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.

Antes, no final de março, a mesma CCJ aprovou um projeto que facilita o desmatamento das áreas de vegetação não florestal -categoria que, segundo a plataforma MapBiomas, representa 50,6 milhões de hectares no Brasil, cerca de 1,5 vez o tamanho do território da Alemanha.

A proposta driblou o plenário da Câmara e foi aprovada de forma conclusiva na comissão.

Na CCJ do Senado, está pautado um projeto que pode reduzir de 80% para 50% a reserva legal na amazônia –como é chamada a área de um imóvel que precisa ser preservada como floresta. Segundo o Observatório do Código Florestal, a mudança ameaça mais de 8,5 milhões de hectares protegidos.

A comissão é presidida por um aliado do governo Lula (PT), Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Ainda que o governo federal busque ser visto como defensor ambiental, a proposta quase foi votada no último dia 10. Um pedido de vistas de outra aliada do petista, Eliziane Gama (PSD-MA), adiou a deliberação, que pode acontecer nesta quarta (24).

Se aprovado na CCJ, o projeto vai para a Comissão de Meio Ambiente, onde tramita de forma terminativa –que dispensa a passagem pelo plenário.

“Trata-se de um grave retrocesso socioambiental ao flexibilizar os limites da reserva legal e abrir caminho para novos desmatamentos em áreas florestais da Amazônia Legal”, critica uma nota técnica da ONG WWF Brasil, que pede a rejeição do texto.

Sob reserva, parlamentares ligados à pauta ambiental também temem o avanço de outros dois projetos, ambos na Câmara, que podem transferir terras da União para competências de estados do Norte. A mudança pode dificultar a demarcação de terras indígenas e deixar as áreas sujeitas a leis ambientais mais flexíveis.

ENTENDA O PACOTE ANTIAMBIENTAL NO CONGRESSO

**PL 3.334/2023**

– O que é: Reduz a reserva legal (área dos imóveis que deve ser preservada como floresta) para 50%, quando se tratar de estado ou município que tiver mais de 50% de seu território ocupado

– Na prática: Reduz a área de preservação de floresta na amazônia de 80% (como diz a lei hoje) para 50%, o que, segundo ambientalistas, afeta 8,5 milhões de hectares

– Situação: Na pauta na CCJ do Senado; se for aprovado, vai à Comissão de Meio Ambiente, de forma terminativa

– Relator: Marcio Bittar (União-AC)

**PL 364/2019**

– O que é: Considera como “área rural consolidada” (onde é permitida intervenção humana) imóveis rurais com vegetação nativa não florestal

– Na prática: Permite a derrubada dessa vegetação, abundante no cerrado e no pantanal e presente em mais de 50 milhões de hectares no Brasil

– Situação: Aprovado de forma conclusiva na CCJ da Câmara; aguarda para ir ao Senado

– Relator: Lucas Redecker (PSDB-RS)

**PL 1.366/2022**

– O que é: Exclui a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras e a isenta de imposto

– Na prática: Permite que monoculturas como eucalipto e pinus não paguem a taxa de controle e fiscalização ambiental, verba que, por exemplo, alimenta o Ibama – Situação: Aguardando votação no plenário da Câmara

– Relator: Covatti Filho (PP-RS)

**PL 10.273/2018**

– O que é: Limita a cobrança da taxa ambiental a atividades licenciadas pela União e muda a seu cálculo, para ter como base apenas a receita das atividades poluidoras, não de toda a empresa em questão, independente de seu tamanho

– Na prática: Reduz o valor da cobrança, por reduzir sua base de cálculo, e exclui do imposto uma série de atividades poluidoras que são licenciadas por estados e municípios, como a mineração

– Situação: Aprovado na CCJ da Câmara, em caráter conclusivo; ainda vai ao Senado

– Relator: Covatti Filho (PP-RS)

**PL 2.168/2021**

– O que é: Considera de utilidade pública obras de infraestrutura de irrigação para o agronegócio

– Na prática: Permite ao setor construi reservatórios em áreas de preservação permanente, mesmo que isso cause destruição da vegetação nativa

– Situação: Na CCJ da Câmara

– Relator: Coronel Fernanda (PL-MT)