SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No início do século 20, quando as mulheres ainda não tinham direito ao voto, dezoito delas, entre brasileiras e estrangeiras, deram entrada no Brasil ao processo de patente para seus inventos, que perpassavam diferentes campos tecnológicos possíveis à época e também visavam facilitar as tarefas cotidianas.

Esses documentos foram revelados pelo Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) em dezembro do ano passado, quando o órgão do governo federal tornou público cerca de 3.200 patentes históricas, que datam de 1895 a 1929, descobertas em 2020 e digitalizadas a partir do ano seguinte. A Folha mostrou algumas delas na série Invenções do Brasil.

Entre as criações registradas por essas mulheres estão cremes para cura de doenças de pele, máquinas para fabricação de charutos, armários refrigerados, processos para fabricação de têxteis, preparados de alvejantes e desinfetantes, acendedores, entre outros.

A descoberta foi uma surpresa para a servidora e pesquisadora Flávia Romano Villa Verde, chefe da Divisão de Documentação Patentária do Inpi.

“Ao ler as patentes e pesquisar, percebemos que havia mulheres com ideias inovadoras e variadas invenções. Algumas delas foram brasileiras, como uma inventora que criou uma caixa para separar gordura.”

Mas pouco se sabe sobre a vida, formação acadêmica e experiências profissionais dessas mulheres, à exceção das que pertenciam à elite e tinham acesso à educação.

Entre os registros, há uma professora e uma médica, enquanto as outras são classificadas como industriais. As nacionalidades são das mais variadas: Brasil, Estados Unidos, França, Bélgica e Alemanha, entre outras.

Uma delas foi a portuguesa Hilda de Almeida Brandão Rodrigues Miranda, proprietária da Fábrica de Tapetes Beiriz, em Portugal, inaugurada em 1919. Ela criou um estilo de nó para tapetes encontrado nos salões nobres das Câmaras Municipais do Porto e de Lisboa e no Tribunal Internacional de Haia.

Sua patente aprovada no Brasil se trata de “processo manual de fabricação de tapetes, passadeiras, cortinas e almofadas”, em 1922, assinada pelo presidente Epitácio Pessoa.

Na chamada “era dos inventores”, não era comum a mulher ter protagonismo nos avanços tecnológicos que chegavam ao país. Mas uma delas contrariava a ideia. A socialite e princesa inglesa Anne de Löwenstein-Wertheim não só era uma cientista, como também uma entusiasta da aviação, que ainda dava seus primeiros passos.

Ela criou uma cama anti-enjoo para embarcações, quando as viagens para atravessar o oceano eram exclusivamente feitas a navio, segundo Flávia Romana. Sua patente no Brasil foi concedida pelo então presidente da República Nilo Peçanha, em 1910.

O espírito desbravador de Anne, porém, a levou a uma tragédia. Ela foi a primeira mulher a tentar realizar um voo transatlântico. Mas a viagem não teve sucesso e ela desapareceu no oceano.

Esses projetos provavelmente só surgiriam na mente feminina, de acordo com Priscila Kashiwabara, especialista em propriedade intelectual e sócia do escritório Kasznar Leonardos.

“As invenções das mulheres daquela época estavam ligadas a problemas domésticos e de saúde, refletindo suas preocupações e necessidades. Hoje, ainda vemos essa falta de representatividade, e é importante inserir mais mulheres no ambiente inovador.”

Para Priscila, é interessante notar como as mulheres, mesmo no passado, tinham potencial para inovar e trazer melhorias para a sociedade.