Com o objetivo de expandir o o acesso da população a uma saúde pública cada vez mais universal, ágil e de qualidade, novas tecnologias podem ser implementadas no Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Ministério da Saúde. Uma das iniciativas visa a implementação da inteligência artificial (IA) nos serviços de atendimento à população por meio do SUS Digital, programa que ainda está em fase de estudos.
O diretor do Departamento de Saúde Digital e Inovação (Desd) da Secretaria de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde (Seidigi-MS), Cleinaldo de Almeida Costa disse, em entrevista à Agência Brasil e à TV Brasil nesta terça-feira (23), que o Governo Federal, por meio do Ministério, visa desenhar um cenário inovador.
“O Ministério da Saúde está desenhando, em uma grande equipe, o SUS Digital, que vem a ser a inclusão digital em todos os níveis do Sistema Único de Saúde (SUS) desde a atenção primária [em Unidades Básicas de Saúde, por exemplo] até a atenção terciária [de alta complexidade, como Unidades de Terapia Intensiva]”, pontuou.
Segundo ele, o programa deve “repensar o acesso ao SUS por meio de aplicativos ou de uso de inteligência artificial ou de big data” e “redesenhar a saúde [no país] para os próximos 20 anos”.
Durante uma mesa realizada na Feira Hospitalar, em São Paulo, o diretor do ministério afirmou que o programa pretende transformar o SUS em um “sistema mais amigável, aproximá-lo mais do cidadão e simplificar a vida do usuário e da usuária”.
O objetivo do ministério é que, com o SUS Digital, os diagnósticos possam ser otimizados, o atendimento na saúde pública seja mais ágil e haja mais inclusão. “Em primeiro lugar, [o benefício] será a inclusão digital no SUS. Incluir de verdade, não deixar ninguém para trás. Em segundo lugar, melhorar a qualidade de vida da cidadã e do cidadão brasileiro por meio do SUS, de modo que a saúde possa estar incorporada no seu dia a dia, no seu celular, no seu tablet, reduzir filas, ou seja, aproximar o sistema de saúde da vida da cidadã e do cidadão”, destacou Costa.
Em entrevista ao portal de notícias Amazônia Press, o diretor-executivo de Tecnologia do Instituto de Tecnologia e Inovação Evereste, Francisco Arce Junior, destacou que, primeiramente, é necessário entender o que é a Saúde Digital, que compreende o uso de recursos de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) para produzir e disponibilizar informações confiáveis sobre o estado de saúde para os cidadãos, profissionais de saúde e gestores públicos.
Durante a entrevista, Francisco citou ainda que em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) iniciou a elaboração da sua Estratégia Global de Saúde Digital (Global Strategy on Digital Health), entendendo que os esforços nacionais podem ser potencializados pela colaboração e troca de conhecimento entre países, centros de pesquisa, empresas, organizações de saúde e associações de usuários ou cidadãos, com o objetivo de promover a saúde para todos, em todos os lugares.
“Falando sobre Inteligência Artificial (IA), que é a capacidade das máquinas de imitar certos aspectos do pensamento humano e tomar decisões com base em dados e algoritmos. Ela envolve técnicas como aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, visão computacional e redes neurais artificiais. A IA tem um amplo espectro de aplicações em diferentes setores, incluindo a saúde. Os sistemas de IA podem analisar grandes volumes de dados médicos, como imagens de exames, registros de pacientes e dados genéticos, para ajudar os médicos a fazer diagnósticos mais precisos. Algoritmos de aprendizado de máquina podem identificar padrões sutis que os médicos humanos podem perder, auxiliando no diagnóstico precoce de doenças”, pontuou.
De acordo com o diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Inovação Evereste, as tecnologias, em especial a IA, pode ser usada para desenvolver modelos preditivos que ajudem a determinar o tratamento mais eficaz para um paciente com base em seu histórico médico, características genéticas e outros fatores individuais, o que permite uma abordagem mais personalizada e direcionada ao tratamento.
“A IA pode ajudar na identificação de padrões, tendências e insights a partir de registros médicos eletrônicos, artigos científicos e bancos de dados de pesquisa. Isso pode acelerar a descoberta de novos tratamentos, terapias e medicamentos. A inteligência pode ainda ser usada para monitorar e analisar continuamente os dados de saúde de pacientes, como sinais vitais, atividade física e padrões de sono. Isso permite a detecção precoce de alterações ou anomalias, o que pode ser especialmente útil para pacientes com condições crônicas. Os chatbots baseados em IA podem fornecer assistência virtual aos pacientes, respondendo a perguntas comuns, fornecendo informações sobre condições médicas, agendando consultas e oferecendo orientações básicas de saúde. Isso pode ajudar a melhorar o acesso aos cuidados de saúde e liberar os profissionais de saúde para casos mais complexos”, destacou.
Outro ponto levantado pelo especialista é referente às lacunas existentes no sistema público de saúde e os benefícios que serão proporcionados com a junção entre tecnologia e serviços básicos oferecidos à sociedade.
“A IA pode ajudar a reduzir as lacunas de acesso aos serviços de saúde, especialmente em áreas remotas ou com escassez de profissionais médicos. Através de sistemas de telemedicina e assistência virtual, os pacientes podem receber orientações e cuidados básicos sem a necessidade de deslocamento físico. Com o auxílio da IA, os profissionais de saúde podem obter diagnósticos mais precisos e precoces, aumentando as chances de tratamento eficaz. Isso pode levar a uma redução no tempo de espera por diagnóstico e tratamento, bem como a uma melhoria nos resultados clínicos. Pode otimizar a gestão de recursos no SUS, ajudando a identificar áreas onde há necessidade de maior alocação de recursos, como leitos hospitalares, medicamentos e profissionais de saúde. Além disso, a automação de tarefas administrativas pode liberar tempo para que os profissionais de saúde se concentrem mais no atendimento direto aos pacientes”, analisou.
Complementou ainda: “A implementação da IA no SUS pode impulsionar a pesquisa médica e a inovação, permitindo análises mais abrangentes e identificação de tendências em grandes conjuntos de dados. Isso pode levar a descobertas médicas importantes e ao desenvolvimento de terapias mais eficazes. Projetos com a análise de dados com IA sobre acidentes de transito, com o objetivo de melhorar a gestão de tráfego, mobilidade urbana e evitando mortes dos condutores; Lembrando que é importante garantir que a implementação da IA no SUS seja feita de forma ética, transparente e com preocupações adequadas em relação à privacidade dos dados dos pacientes. Além disso, é fundamental que os profissionais de saúde sejam adequadamente treinados e capacitados para trabalhar em conjunto com a IA, aproveitando os benefícios que ela pode oferecer”.
Por fim, também destacou que, ao implementar essas novas tecnologias, o Ministério da Saúde segue o objetivo de melhorar a qualidade, a eficiência e o acesso aos serviços de saúde para a população brasileira.
“Por meio dessa iniciativa, são garantidos os cuidados mais personalizados e adequados, otimizando a gestão de recursos e estimulando a pesquisa e a inovação na área da saúde. Quanto mais digital, a velocidade de soluções serão exponenciais e poderão dessa forma além de trazer mais qualidade ao serviço de saúde na gestão pública, salvar vidas”, finalizou.
Projetos
Alguns projetos no Brasil já testam a aplicação da saúde digital em unidades de terapia intensiva (UTI), experimentos que tiveram início durante a pandemia do novo coronavírus. E com bons resultados, na avaliação de Carlos Carvalho, professor titular de pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor de Saúde Digital do Hospital das Clínicas de São Paulo.
“Estamos com um projeto com o Ministério da Saúde para atender gestantes de alto risco e puérperas em ambientes de UTI. O ministério selecionou alguns hospitais. Em 11 hospitais que já estamos atuando, observamos redução de 270 [por 100 mil nascidos vivos] para 140 de morte materna em apenas seis meses”, estima Carvalho. Esse projeto-piloto deverá ser ampliado de forma que cada estado brasileiro tenha ao menos um projeto desses em desenvolvimento.
Outro projeto foi o de TeleUTI para covid-19, que funcionou por meio de um posto de telemedicina instalado no Instituto do Coração (Incor). A iniciativa apoiava, capacitava e treinava profissionais de saúde que trabalham em UTIs. “Na TeleUTI que fizemos aqui, junto à Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, até dezembro de 2021, atendemos quase 2 mil pacientes e fizemos mais de 11 mil atendimentos. E à medida que ampliamos os atendimentos, foi-se reduzindo a letalidade desses pacientes nessas unidades em que estávamos atendendo”.