SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com apenas o português como idioma oficial, o Brasil tem, atualmente, 274 línguas indígenas faladas por 305 etnias, segundo a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). Apesar da diversidade, é cada vez maior a preocupação com possível desaparecimento dessas línguas diante da influência da urbanização sobre os mais jovens.

A reportagem conversou com três indígenas amazonenses, de etnias distintas, que narraram as histórias de seus povos, repassadas de geração em geração, e o que fazem para manter viva a cultura ancestral.

Da etnia baré (AM), a pedagoga Cláudia Tomas, 45, mestranda em linguística na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), conta que o idioma próprio de seu povo foi extinto com os efeitos da colonização do Brasil.

Segundo a pedagoga, o povo baré fala, nos dias de hoje, a língua nheengatu, que foi imposta, no passado, aos indígenas de diversas etnias da região da amazônia por padres carmelitas, jesuítas e salesianos como forma de controlar, catequizar e padronizar os povos.

Essa intervenção seria o início do processo gradual do desaparecimento de alguns idiomas maternos.

“A gente sabe que uma das vertentes mais fortes da nossa identidade indígena é a língua. Então, para mim, é muito importante manter isso, principalmente, nesse momento que vivemos, no qual corremos o risco de perder os nossos idiomas, futuramente”, frisa.

Também conhecida como Cláudia Baré, a pesquisadora colaborou na fundação do primeiro bairro indígena de Manaus, o Parque das Tribos, oficializado pela gestão municipal em 2014. Essa comunidade, onde ela é uma liderança, reúne mais de 700 famílias de 35 etnias, atualmente.

A pedagoga destaca que o reconhecimento jurídico do bairro indígena, considerado o maior do país, foi essencial para garantir que os anciões nascidos em aldeias conseguissem repassar, naquele contexto urbano, a cultura ancestral de seus povos.

“Hoje, colhemos os frutos daquilo que plantamos, principalmente nessa visão dos nossos jovens. Agora, conseguimos ver que eles estão mais fortalecidos enquanto identidade indígena. Isso é o resultado de um trabalho de fortalecimento cultural, incluindo as línguas maternas”, diz

JUVENTUDE INDÍGENA

O estudante de educação física Fábio César da Silva, 26, do povo baniwa, conta que aprendeu a falar português aos seis anos, na escola pública. Ele nasceu em uma comunidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), o município com o maior número de indígenas aldeados do país (48.253), conforme o mais recente censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Seu idioma foi mantido e é utilizado entre os baniwas até hoje, mesmo fora do território, apesar das proibições durante a colonização. Vivendo em Campinas, para onde se mudou após ser aprovado no vestibular da Unicamp, Silva afirma ainda ter como missão preservar o modo de vida e as tradições da população.

“Precisamos preservar a nossa língua materna, que quase foi extinta. Agora, temos que fortalecer mais isso. Precisamos nos dedicar e ensinar para as próximas gerações que o idioma também é uma cultura nossa, e não podemos deixar essa cultura morrer”, disse.

Longe de São Gabriel da Cachoeira, o estudante relata que encontrou na atlética da Unicamp uma forma de manter a rotina de natação –uma atividade tradicional na comunidade indígena. Ele ressalta que pretende, quando atuar na educação, incluir os esportes indígenas nas suas aulas.

“Temos os nossos esportes e nossos próprios métodos de exercício. O povo indígena é atlético. Na nossa rotina, vamos pra roça, caminhamos, carregamos aturá [cesto utilizado para transporte agrícola], e nisso já estamos fazendo um esforço físico”, exemplifica.

A Unicamp possui um vestibular indígena unificado que oferta 130 vagas por ano em diversos cursos, como medicina, licenciatura em música e pedagogia. Os candidatos podem prestar o processo seletivo nas cidades de Campinas, Campo Grande (MS), Recife (PE), São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga (AM) e Santarém (PA). A universidade disponibiliza, ainda, uma moradia para uma parcela dos aprovados.

Estudante de biologia e nascida em Manaus, Yonne Alfredo, 25, pertence à etnia tikuna, uma das mais populosas do Brasil e presente também na Colômbia e no Peru. Mesmo tendo crescido na capital, ela conta que manteve as raízes ancestrais, como o idioma e os grafismos, por efeito de um projeto de resistência indígena.

“Meu pai cresceu na aldeia e, quando foi para Manaus, criou uma comunidade do nosso povo. Ele percebeu que seria difícil manter a cultura fora da aldeia. Ele teve medo de que as crianças perdessem a língua tikuna. Então, criou um projeto para manter a cultura”, comenta.