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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse neste domingo (1º) que o teto de gastos é uma “estupidez” e que pretende revogá-lo. A fala foi feita no plenário da Câmara dos Deputados, no discurso de posse. Ele afirmou que o instrumento atrapalha especialmente o Sistema Único de Saúde (SUS).

“O SUS é provavelmente a mais democrática das instituições criadas pela Constituição de 1988. Certamente por isso foi a mais perseguida desde então, e foi, também, a mais prejudicada por uma estupidez chamada teto de gastos, que haveremos de revogar.”

Lula ainda falou sobre a possibilidade de uma nova legislação trabalhista. “Vamos dialogar, de forma tripartite — governo, centrais sindicais e empresariais — sobre uma nova legislação trabalhista. Garantir a liberdade de empreender, ao lado da proteção social, é um grande desafio nos tempos de hoje”, afirmou.

No início da declaração, o petista lembrou a formação de uma frente ampla, em que reuniu o apoio de mais de dez partidos durante as eleições. “Se estamos aqui, hoje, é graças à consciência política da sociedade e à frente democrática que formamos.”

Economistas criticam

“O governo, uma empresa, uma família — ninguém pode gastar mais do que ganha”, afirma Alberto Ajzental, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que critica a intenção do presidente Lula de acabar com o teto de gastos públicos.

“Tudo tem que ter limite. Tributo tem que ter limite, porque senão quebra as pessoas e as empresas. Dívida tem que ter limite — nossa dívida já está em mais de 82% do Produto Interno Bruto, o PIB. Isso lembrando que já tem o estouro do teto, que já foi aprovado. Você não pode crescer a dívida indefinidamente.”

“A ferramenta teto de gastos é uma camisa de força que foi usada para blindar as contas públicas de governos populistas, com visão de curto prazo. É muito fácil você, por exemplo, ir a uma loja e comprar com o cartão de crédito pra fazer uma festa. Você vai ter momentos imediatos de felicidade, mas a fatura chega”, argumenta.

“Um presidente deveria falar que tem que ter muito cuidado com o dinheiro público, que tem que fazer um governo de confiança, transparente, que vai aplicar bem o dinheiro. Isso pra diminuir os juros, diminuir a dívida. Podemos discutir o teto de gastos, mas é preciso falar, por exemplo, em reforma administrativa, pra ver pra onde o dinheiro está indo e instituir mais liberdade para a alocação de recursos.”

“Pode ser criado outro tipo de âncora fiscal que não seja o teto de gastos, algo mais flexível, mas simplesmente abolir, dar um cheque em branco pra gastar à vontade, não pode”, completa.

“Âncoras fiscais são instrumentos para proteger a sociedade contra governantes perdulários e irresponsáveis, que não se importam com os reflexos das suas ações fiscais na inflação, na taxa básica de juros, no montante orçamentário deslocado para pagamento de juros e na falta de recursos para as futuras gerações”, afirma Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).

“O teto de gastos foi criado para substituir o superávit primário, que foi desmoralizado no segundo governo Lula e destruído em Dilma. Sem âncora fiscal, nossa economia não funciona, trata-se de uma irresponsabilidade. Se vai acabar, qual âncora será criada? Alguma consistente tem que ter. Governar sem âncora é como dirigir sem carteira de habilitação”, diz o especialista.

PEC do estouro

O teto de gastos já foi flexibilizado para este ano pelo Congresso. O Diário Oficial da União publicou, no último dia 22, a emenda à Constituição 126, que abre espaço no Orçamento de 2023 para bancar os compromissos feitos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a campanha eleitoral. A publicação foi feita poucas horas após a votação da PEC do estouro pelo Senado Federal e a promulgação da emenda.

A promulgação é o ato que declara a existência da lei e ordena sua execução. Emendas constitucionais são promulgadas pelas mesas da Câmara e do Senado, em sessão solene do Congresso. Com a publicação, a emenda passa a ser válida.

Os senadores já tinham analisado a matéria, que sofreu alterações ao ser aprovada na Câmara. No texto deferido anteriormente pelos senadores, a ampliação do teto valeria por dois anos. No entanto, entre as alterações feitas pelos deputados, o teto de gastos será permitido apenas em 2023. Com isso, a PEC voltou ao Senado, que analisou o texto na noite da quarta-feira (21) e manteve essa e outras mudanças.

A PEC do estouro expande em R$ 145 bilhões o limite do teto de gastos, que entrou para a Constituição em 2016, durante o governo de Michel Temer (MDB). Ele atrela o crescimento das despesas da União à inflação do ano anterior. Inicialmente, esse limite era corrigido todos os anos pela variação da inflação acumulada em 12 meses, até junho do ano anterior.

Em dezembro do ano passado, porém, a regra mudou e passou a ser a inflação de janeiro a dezembro. Para o governo eleito, o teto de gastos limita recursos que poderiam ser aplicados em áreas importantes, como saúde e educação.

A nova medida vai possibilitar a manutenção do valor de R$ 600 do Auxílio Brasil — que voltará a ser chamado de Bolsa Família — e pagar um acréscimo de R$ 150 por criança de até 6 anos das famílias beneficiárias.

Nova legislação trabalhista

Sobre a possibilidade de uma nova legislação trabalhista para o país, o futuro ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, criticou as leis atuais do setor. “Tem muita coisa ali que ficou difícil, principalmente para as mulheres.”

Ele condenou o fato de a idade de aposentadoria das mulheres ser igual no Norte e Nordeste e no Sul e Sudeste. “É diferente: [no Sul e Sudeste] você tem um saneamento melhor, empregabilidade maior. No Norte e Nordeste é muito mais difícil e ainda tem a dupla jornada. A lei do trabalho normal e a lei do trabalho em casa. Então tem que ser considerado pela previdência.”

Lupi afirmou que vai montar uma comissão para discutir o conjunto de leis trabalhistas em vigor para, então, apresentar uma proposta ao presidente da República. “É uma comissão formada por representantes da classe patronal, de empregados e do governo. É tripartite”, afirmou. Parlamentares não entrariam nesse rol, por enquanto.

R7