Decisão de 2.º Grau desta semana suspendeu a eficácia da ordem de desocupação coletiva de liminar concedida pela Comarca de Careiro, em Ação de Reintegração de Posse de Área de Preservação Permanente (APP) requerida pelo Município de Careiro, no processo n.º 0600083-34.2023.8.04.3700.
A liminar foi revogada pela desembargadora Socorro Guedes, integrante da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas, no Agravo de Instrumento n.º 4001801-89.2023.8.04.0000, interposto por pessoas que passaram a ocupar a área referida.
A desembargadora considerou estarem atendidos os requisitos para proferir a decisão, como o fumus boni iuris, pela necessidade de adoção de medidas procedimentais voltadas à construção de solução que respeite os direitos e deveres de ambas as partes do processo de origem, e ao periculum in mora, pela exposição das famílias em situação de vulnerabilidade que podem ser retiradas de suas casas se fosse cumprida a liminar.
Segundo o processo, o Município de Careiro iniciou a ação destacando que havia sido identificado um grupo de cerca de 40 pessoas que tinha passado a ocupar, a partir da madrugada do dia 09/01/2023, clandestinamente, uma Área de Preservação Permanente, instituída pela Lei Municipal n.º 468/2010, situada na sede do Município, na BR 319, KM 100.
Após a concessão da liminar, os agravantes apresentaram recurso, argumentando que a simples ordem de desocupação contraria o decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 828, cujas diretrizes também constam na Recomendação n.º 90/2021 do Conselho Nacional de Justiça e na Resolução n.º 10/2018, do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Na ação do STF, argumentam os agravantes, o órgão determinou que ordens de desocupações coletivas de pessoas vulneráveis devem ser intermediadas por comissões de conflito fundiários instaladas pelos Tribunais de Justiça, com realização de prévia inspeção judicial e mediação envolvendo a coletividade afetada, o Ministério Público, a Defensoria Pública e os órgãos responsáveis pela política agrária e urbana do ente federativo onde esteja a área do litígio, assegurando-se prazo mínimo razoável para a desocupação pela população envolvida e o encaminhamento daqueles em situação de vulnerabilidade social para abrigos públicos, ou local com condições dignas, ou outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia.
E pediram que as famílias envolvidas na reintegração de posse possam retornar às suas residências, buscando lhes assegurar o mínimo de dignidade, e que seja determinado o encaminhamento dos autos à Comissão de Conflito Fundiário, para a realização de inspeções judiciais e de audiências de mediação como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva.
Ao analisar o pedido, a desembargadora observou que a liminar não foi precedida das medidas estabelecidas na ADPF n.º 828 e nem fixou prazo para desocupação do terreno. E lembrou que a Resolução n.º 10/2018 já dispunha, em seu artigo 7.º, que em casos de conflito fundiário coletivo, o juiz deve, antes de apreciar pedido de liminar, realizar inspeção judicial e designar audiência de conciliação, intimando o Ministério Público, a Defensoria Pública e órgãos públicos responsáveis pela política agrária para traçar um plano que garanta a desocupação do imóvel sem prejuízo dos direitos fundamentais das pessoas afetadas.
“Assim é que antes mesmo do STF determinar a instalação de comissões de conciliação fundiárias na ADPF n.º 828, já havia disposições no ordenamento exigindo especial cautela na análise e deferimento de medidas de desocupação coletivas, reconhecendo-se a especial vulnerabilidade das pessoas afetadas por estes processos e a imprescindibilidade de que as decisões judiciais garantam não apenas a posse de quem ajuíza as ações, mas também os direitos fundamentais daqueles que são retirados dos locais ocupados, com articulação de todos os agentes públicos responsáveis pela defesa de tais interesses”, afirmou a relatora.
A magistrada ressaltou que tal entendimento baseia-se no princípio da fraternidade, enunciado no preâmbulo da Constituição Federal de 1988 e que orienta toda a leitura e aplicação do ordenamento no processo de filtragem constitucional.
A desembargadora destacou ainda que “só se admite que o Poder Público (seja na forma da municipalidade que propôs a demanda na origem, seja na forma do Poder Judiciário) garanta a integridade da posse regular de terreno dedicado a uma APP se também garantir os direitos fundamentais das pessoas que se acham ocupando aquele local, em aparente situação de vulnerabilidade, para fixarem residência”.
#PraTodosVerem – a fotografia que ilustra a matéria mostra a desembargadora Socorro Guedes, relatora do processo na Segunda Câmara Cível.
Patrícia Ruon Stachon
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / TJAM