PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Questionado sobre a situação do imaginário e da realidade queer na China hoje, o escritor e curador Zairong Xiang, morador de Xangai, não se estende muito. “A situação, se com isso você quer dizer a condição de vida, não é tão ruim e não é boa”, diz.

Zairong lança nesta quinta (25), em São Paulo, o livro “Antigos Caminhos Queer: Uma Exploração Decolonial”, que defende, como descreve na própria obra, o “desaprendizado das categorias coloniais-modernas que funcionaram, desde o alvorecer do colonialismo europeu no século 16 até o presente, para manter na obscuridade as formas e teorias de queerness das fontes mais antigas”.

Em entrevista em inglês, o autor detalha os passos que tomou em sua própria exploração decolonial. “Fiz muita viagem para estudos e pesquisa. Meu mestrado foi na Espanha e no Reino Unido, em estudos de gênero, e o doutorado foi ainda mais louco, tive que morar na Itália, França, México e Alemanha, incluindo um mês no Brasil.”

Pelo caminho, conheceu e experimentou “diferentes formas de compreender o mundo, que não podem ser explicadas por meio de conceitos e categorias nos quais nos tornamos versados, quase inevitavelmente, no campo do pensamento crítico contemporâneo”.

Destaca uma constatação frustrante, de como “sabemos pouco sobre o mundo além de um punhado de teóricos que estão circulando por toda parte”. Ou seja, “é muito mais fácil encontrar um livro de Foucault numa livraria de São Paulo ou Xangai do que um livro do vizinho”, de teóricos latino-americanos ou asiáticos.

“A situação é ainda pior na área da teoria queer”, exatamente aquela em que se inscreve seu livro. “É um dos campos mais eurocêntricos das teorias críticas.”

Professor de literatura comparada na Universidade Duke Kunshan, criada há seis anos nos arredores de Xangai pelas universidades Duke, nos Estados Unidos, e Wuhan, na China, Zairong cita em seus escritos nomes como o acadêmico mexicano José Rabasa, hoje em Harvard, que questiona o impacto do eurocentrismo na América Central.

Mesoamérica e Mesopotâmia são os focos do livro, para o retrato do questionamento ao dualismo de gênero em mitologias antigas. Questionado por que esses dois e não a própria China ou a Índia, Zairong ri.

“O livro foi escrito durante a loucura de passar por diferentes países, e a China era o que menos me interessava”, afirma. “Não há nenhum motivo para esses dois, mas a modernidade e a colonialidade os conectou, também porque a Mesoamérica e a Mesopotâmia não são o Ocidente.”

“Antigos Caminhos Queer”, publicado pela primeira vez há seis anos, tem como epígrafe uma passagem de “Galáxias”, poema do brasileiro Haroldo de Campos, começando por “o mar é-se como o aberto de um livro aberto e esse aberto é o livro que ao mar reverte”.

Zairong diz ter se emocionado ao ser apresentado ao poema por um amigo brasileiro, porque estava escrevendo sobre os mares mitológicos das duas regiões. “As palavras incessantemente modificadoras e ondulantes no poema captam a estranha liquidez desses mitos que trabalhei no livro”, justifica.

Questionado sobre a visão de Campos da tradução como “transcriação” e se ela se refletia em suas próprias ideias sobre “diálogo translinguístico”, diz que só depois ficou sabendo dos poemas clássicos chineses traduzidos por Campos.

“A questão central do ‘trans’ nos campos poético e filosófico ressoa o conceito chinês de ‘yi’, como em Yi Jing ou I-Ching, o livro das mudanças”, comentou. “Essas mudanças desestabilizam a falácia do indivíduo produzida pelo conhecimento moderno-colonial baseado em indivíduos atomizados. A transcriação, ou o translinguismo, pedem que pensemos no desenrolar do mundo como um mundo sempre confuso, transformador.”

A professora Christine Greiner, da PUC-SP, onde coordena o Centro de Estudos Orientais, ressalta na apresentação que o argumento do livro é que “o colonialismo tem afetado as traduções de culturas não ocidentais antigas, na tentativa de fortalecer seus próprios paradigmas”. Ela diz ainda que “há diversos momentos no livro em que fica claro que a tradução ideológica realizada no Ocidente não se abre de fato às diferenças”.

Segundo Greiner, um aspecto fundamental na obra de Zairong, de maneira mais ampla, é a proposta de um “transdualismo” de gênero, que deve prosseguir em seu próximo livro. Sobre esse novo estudo, o escritor chinês disse que a noção de “transdualismo yin-yang” é muito complexa para ser resumida.

“O que me inspirou a cunhar o conceito de ‘transdualismo’ foi o chamado para ir além do dualismo, em todas as suas diferentes articulações. Como criticar o dualismo sem reproduzi-lo no próprio ato de criticar.”

ANTIGOS CAMINHOS QUEER

Quando Lançamento na quinta (25), às 19h na Livraria Megafauna; e sáb. (27), às 16h, na Casa Líquida

Onde Livraria Megafauna – av. Ipiranga, 200, loja 53, São Paulo; Casa Líquida – rua Alves Guimarães, 1417, São Paulo

Preço R$ 80 (270 págs.)

Autoria Zairong Xiang

Editora N-1 EdiçõesTradução Paula Faro, com colaboração de Gil Vicente Lourenção

CURSO METAMORFOSES QUEER

Quando Quinta (25), das 10h30 às 12h30, com Zairong Xiang e Christine Greiner

Onde Centro de Pesquisa e Formação do Sesc-SP – r. Dr. Plínio Barreto, 285, São Paulo

Preço R$ 60 (inteira), com direito a dois dias (25 e 26/4) de conferências de outros artistas e acadêmicos

Link: https://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/atividade/metamorfoses-quee