Dos dez municípios que tiveram a maior área desmatada entre 2019 e 2021, nove deram um aumento percentual de votos válidos ao presidente Jair Bolsonaro (PL) no último domingo, em comparação com a eleição de 2018. Todos eles ficam na Amazônia.
Entre esses municípios está uma capital, Porto Velho, que hoje tem o terceiro maior índice de desmatamento do país, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Ela foi a única em que houve redução de votos válidos ao candidato à reeleição, mesmo assim em um patamar tímido: de 57,7% para 56,8%.
Nas demais cidades do interior, todas tiveram aumento na votação dada ao presidente. Em Pacajá (PA), por exemplo, a votação de Bolsonaro foi de 6,6 mil para 11,5 mil, uma alta de 73%. Com isso, ele venceu no município no primeiro turno —em 2018, Fernando Haddad, do PT, havia sido vitorioso.
O mapa dessas cidades em que Bolsonaro ganhou coincide com aquela área chamada de arco do desmatamento, que historicamente reúne a maior área afetada pela destruição da floresta. As cidades que fazem parte dele estão nas bordas da floresta, especialmente no estado do Pará.
Os dados do Inpe revelam que, de agosto de 2021 até julho de 2022, foram derrubados 8.590,33 km² do bioma, área maior do que a da Grande São Paulo. A taxa é a terceira maior do histórico recente do Deter, iniciado em 2015.
Em setembro, o desmatamento bateu recorde histórico. A área desmatada no mês foi de 1.455 km², ligeiramente maior do que a do recorde anterior, de setembro de 2019 (1.454 km²) —isso é maior do que a cidade do Rio de Janeiro (1.200 km²) e um pouco menor que a cidade de São Paulo (1.521 km²).
Essa área vem concentrando, ao longo dos últimos anos, o maior percentual de floresta nativa destruída pelo homem, o que vem gerando uma série de mudanças climáticas em várias regiões da Amazônia e fora dela.
Estudos mais recentes apontam que o bioma já sofre com um aquecimento acima da média mundial e com a redução dos índices de chuva. Isso ocorre devido à degradação da floresta, causada especialmente pela derrubada das árvores.
Por que avançou?
A coluna buscou pesquisadores locais para tentar entender o fenômeno que ocorre na Amazônia e recebeu algumas explicações possíveis. “Nessas cidades, a maior parte da população está em uma situação bastante precária, o que tem aumentado durante o atual governo.
Isso envolve situação de renda e laboral. E faz com que a maioria dessas pessoas tenham trabalhos precários, que na Amazônia estão vinculados muitas vezes à ilegalidade”, afirma Juan Doblas, pesquisador do Ipam (Instituto de Pesquisa da Amazônia).
As atividades ilegais, diz, vão desde de ocupação ilegal de terras públicas, com grilagem, a atividades como garimpo e extração de madeira.
“É uma situação difícil, e a solução do problema passa pela melhoria do tecido social da Amazônia e pelo incentivo à atividade sustentável que gere renda e conforto a essa população” declarou Juan Doblas, do Ipam.
Os dados finais da apuração mostraram que foi no Norte que Bolsonaro conseguiu, proporcionalmente, sua maior ampliação de votos em comparação ao primeiro turno de 2018: saltou de 3,7 milhões para 4,3 milhões de votos.
Segundo Rodolfo Salm, doutor em ciências ambientais e professor de ecologia na Faculdade de Biologia na UFPA (Universidade Federal de Pará), em Altamira, a questão demográfica deve ser levada em conta para explicar o contexto.
“Estamos falando dos maiores municípios em área do país, mas em que a densidade populacional é baixíssima. A presença de povos tradicionais também é baixa”, explica.
Para ele, o mapa da votação, quando comparado ao de derrubada de árvores, mostra bem como o bolsonarismo “favoreceu o desmatamento”.
“Esses municípios com mais áreas desmatadas tiveram essa votação em Bolsonaro e revelam como a posição de Bolsonaro diante do desmatamento o incentiva. Dá para entender a dinâmica ideológica da região”, diz.
Já cidades onde prevalecem os povos originários e tradicionais deram expressiva vantagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), repetindo uma rejeição a Bolsonaro de 2018.
É o caso do município com maior percentual de população indígena do país, São Gabriel da Cachoeira, no extremo noroeste do Amazonas, já divisa com a Colômbia. Lá, o petista teve 79,1% dos votos válidos contra 17,5% de Jair Bolsonaro.
Em Atalaia do Norte (AM), município onde Dom Phillips e Bruno Pereira foram mortos em junho, 77,9% dos eleitores votaram em Lula no primeiro turno, contra 17,3% do candidato do PL à reeleição.
com informações do UOL*