Fortalecer a arte e a cultura é um dos projetos prioritários de grande parte dos povos originários. A arte indígena brasileira desempenha um papel vital na preservação da identidade e da cultura dos povos indígenas. A importância de preservar as tradições culturais das comunidades e fortalecer a produção e comercialização do artesanato produzido nas aldeias é vista é como um veículo para transmitir tradições ancestrais.

O Brasil tem, ao todo, 305 etnias que falam ao menos 274 línguas. Considerado um dos países com maior diversidade sociocultural do planeta, essas etnias sobrevivem preservando também um patrimônio imaterial inestimável que se traduz em manifestações, rituais, ícones e objetos artesanais.

Nascida e criada em aldeias do povo Mura, nas comunidades Jauari e Murutinga, no município de Autazes, a artista visual e estilista Maira Bello Mura concedeu entrevista exclusiva ao portal Amazônia Press para falar um pouco sobre a sua trajetória proporcionando contato com a cultura material indígena por meio do artesanato.

“Eu comecei na moda de 2019 para 2020. A moda na minha vida veio desde a minha infância quando a minha mãe costurava. Minha família morava em um estúdio próximo e a gente brincava muito de fazer as nossas roupas, de fazer o desfile entre a gente e a gente usava folhas, tecidos, semente, as fibras… é algo que já vem de origem, vem passando de de bisavó para a bisneta, de avó para neta, de mãe para filha… por a minha mãe ser costureira, minha avó era rendeira, fazia joias também e já era uma grande artesã. Então a minha essência e a minha ancestralidade já é familiar”, declarou.

Desde então, Maira passou a se sustentar a partir de seu proprio ateliê.

“É o sustento e a fonte de renda minha e da minha família. Procuro ensinar meus filhos desde quando a gente começou. Tenho uma menina de 3 anos, um rapaz de 13, uma menina de 16 e tem uma moça que mora comigo e ela também me ajuda nas pintura das roupas e nas confecções das biojoias. O Ateliê Maira Mura faz parte dessa história que é minha, da minha família e do meu povo Mura. O ateliê é a minha história contada nas minhas vestimentas, na minhas peças e na minha criação de modo autoral e ancestral”, disse.

Dedicada ao artesanato desde criança, Maira conta que costuma tirar um tempo, sempre que pode, para ensinar outras mulheres a especializarem na criação de biojoias.

Eu ensino mulheres e dou aula de artesanato na Associação Indígena Raimundo Mura. Já realizei de forma gratuita, algumas oficinas similares no espaço, formamos ali trinta e duas artesãs. Também dei aula na Associação Indígena Kokama. Dia 20 vou fazer uma oficina de artesanato em uma escola no município de Autazes para um projeto contemplado pela lei Paulo Gustavo. Busco compartilhar um pouco do conhecimento e do amor que tenho em ser artesã para inspirar outras mulheres a criarem peças que possam também ser uma fonte de renda pra elas“, frisou.

Para a artesã, a dedicação do artesanato desde criança é de suma importância.

“No meu ponto de vista, a gente não leva só artesanato ou só a vestimenta, mas sim a história contada através do grafismo, das joias, das artes, dos quadros e das danças. Tudo é história, tudo é ancestralidade. Então essa preservação na nossa vida, na minha vida é de uma importância imensa. Quando a gente vem para a cidade em busca de oportunidade, de estudo, de um trabalho ou de uma vida digna, a gente não perde a essência, mas a gente não está naquele meio. Eu moro na comunidade Parque da Tribos, que a gente viu aquela união dos povos que são as seis etnias vivenciando a cultura e veio lá de trás a lembrança do que fazíamos. Então começamos a criar para empreender nos artesanatos, nas vestimentas e na moda. Isso está proporcionando um avanço cultural, estamos reconquistando um espaço que é nosso e que tentaram nos roubar, mas nós somos fortes, resistentes e estamos firmes nessa luta”, pontuou.

O Ateliê Maira Mura representa na minha vida o meu mundo, minha ancestralidade, minha origem, minha história e minha família. É por meio do meu ateliê que eu dou o melhor para os meus filho, para mim, cuido deles em casa fazendo as biojoias, dou um estudo melhor para eles, cuidamos da nossa ancestralidade e da nossa beleza tradicional. O que eu puder fazer para levar cada vez mais longe a história do povo Muro e do povo tradicional, eu vou fazer”, declarou.

O Dia dos Povos Indígenas é uma data significativa vista como uma oportunidade de retirar o apagamento que existe das histórias e culturas indígenas. Ao portal Amazônia Press, Maira Mura falou um pouco sobre a importância e a necessidade de valorizar os povos originários não somente nessa data alusiva.

“No mês de abril tem uma data específica, mas nós, dos povos originários existimos e resistimos todos os dias. É muita luta e não é fácil, às vezes eu me encontro triste pelos olhares que eu recebo devido eu estar toda traçada com as minhas joias, com as roupas, com o corpo todo grafitado e mão toda preta devido a gente produzir a tinta com jenipapo, que dura 15 dias no corpo. Quando eu saio assim cheia de acessórios e com penas tem um olhar que é quando a gente olha e pensa: ‘nossa que coisa linda como é que você faz isso, essa história de vocês é muito bonita’, ma tem olhares que não são muito bem-vindos, é um olhar que beira um desprezo. Então o Dia dos Povos Originários para a gente é importante, pois estamos ali fazendo a nossa festa, comemorando o nosso dia, é o dia de alegria, de rituais, de dançar, de comer as comidas. É o dia de falar, conversar, da roda de conversa, então é muito importante isso também” finalizou.