BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Banco Central perdeu 20,1% de sua força de trabalho em uma década, com um saldo negativo de 821 servidores entre entradas e saídas de 2014 até março.

O enxugamento do quadro de funcionários ativos é puxado sobretudo pela combinação de aposentadorias (quase 85% do total) com a falta de reposição de mão de obra por meio de novos concursos públicos —o último foi realizado em 2013.

O movimento de baixa também é explicado pelos trabalhadores que estão optando por deixar a autarquia para seguir carreira em outros órgãos públicos (7,18%) ou no setor privado (6,52%).

Em 2023, segundo dados do BC, um servidor deixou a instituição a cada três dias, em média.

O cenário tem servido de argumento para o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, defender a PEC (proposta de emenda à Constituição) que amplia a autonomia do banco, ganhando mais poder sobre a estruturação das carreiras. As condições de trabalho vêm sendo exploradas por representantes da categoria na mobilização por uma pauta corporativista.

Em entrevista à reportagem, Campos Neto comentou a fala de que a instituição está “derretendo”. Em uma declaração imprecisa, chegou a dizer, segundo a coluna Míriam Leitão, de O Globo, que o BC perde sete funcionários por dia, sobretudo os mais qualificados para a iniciativa privada.

“Ao mesmo tempo que tem gente saindo para ir para o mundo privado, teve o movimento tenso, perto da greve [dos servidores], de devolução de [cargos] de comissão. Gente pedindo para ser descomissionada e também para sair”, disse à reportagem Campos Neto, ponderando se tratar de um problema generalizado do funcionalismo.

Pela PEC, o BC passa a ser uma instituição de natureza especial com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira, organizada sob a forma de empresa pública e com poder de polícia.

Uma ala dos servidores, representada pelo Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central), rejeita a proposta em discussão. Já o grupo encabeçado pela ANBCB (Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do Brasil) vê a PEC como uma saída para o fortalecimento da instituição, mas defende aperfeiçoamentos.

Hoje, o BC conta com 3.260 servidores em atividade —quase metade do total dos 6.470 cargos previstos em lei para a autarquia. Em 2014, eram 4.081 vagas ocupadas. O volume atual resulta de uma sequência de perdas líquidas que teve início em 2016.

Segundo dados do Painel Estatístico de Pessoal do governo federal, houve redução de 13,73% da força de trabalho do funcionalismo de forma geral. Em 2014, eram 568.871 cargos ocupados, ante 490.792 em fevereiro deste ano.

Carreiras que compõem a elite do funcionalismo foram mais afetadas. Entre auditores fiscais e analistas da Receita, a retração de servidores na ativa foi de 25,5% em uma década.

Nesse embate, porém, funcionários do BC estão, desde julho de 2023, em operação-padrão —modelo de trabalho que gera lentidão na prestação de serviços, atraso em divulgações rotineiras e paralisações parciais diárias.

Eles pedem aumento, criação de um bônus de produtividade e medidas de reestruturação de carreira.

A recusa do governo federal em atender ao pleito “tem deixado o debate bem acirrado”, segundo Natacha Gadelha, presidente da ANBCB. Endossam ainda o movimento na autarquia o Sinal e o SintBacen (Sindicato dos Técnicos do Banco Central).

Uma contraproposta apresentada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos não é considerada suficiente para barrar o que os servidores chamam de crise do BC. As negociações continuam.

De acordo com Gadelha, os funcionários estão preocupados “em como o BC vai ter condições de funcionar amanhã”.

Hoje, os analistas, que têm nível superior e representam 82,5% do quadro, recebem salários que variam de R$ 20.924,80 a R$ 29.832,94, sem bônus. Já os técnicos, com ensino médio, têm salário mensal que vai de R$ 7.938,81 a R$ 13.640,89.

João André é um exemplo de servidor do BC que se viu desmotivado. Ele recentemente pediu exoneração e deixou o posto de chefe do Departamento de Regulação.

“Nos últimos anos, houve a política de congelamento de salários do funcionalismo público, o que gerou perda de poder de compra. A questão financeira, comparando a iniciativa pública e a privada, ficou mais acentuada”, disse.

Depois de 17 anos de atuação no BC, André migrou para a iniciativa privada para trabalhar no segmento de seguros, com foco em inovação.

É justamente a inovação, com destaque para a transformação digital, que sustentava o encolhimento da máquina pública na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), que indicou Campos Neto ao BC. No governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o chefe da autarquia, por sua vez, chegou a ir a protesto de servidores.

Os processos automáticos, por exemplo, já deixaram marcas também no setor privado.

Dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) e do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram que o número de funcionários de bancos caiu de 512.239 em 2014 para 443.848 ao término de 2023 — o que representa uma queda de 13,4% no total de bancários.

Alketa Peci, professora da FGV Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da Fundação Getulio Vargas), diz que o investimento —ou não— na força de trabalho do setor público reflete tanto o modelo econômico defendido pelo governo de plantão quanto a dinâmica dos ciclos econômicos.

Ela lembra que o governo Bolsonaro defendia um modelo liberal e tinha como plataforma a redução do tamanho do Estado. Somado a isso, houve a crise econômica durante a pandemia de covid-19.

“Essa questão cíclica, que pode vir seja da mudança ideológica dos governos, seja dos próprios ciclos econômicos, acaba se transferindo na mão de obra”, afirmou. “Um dos trabalhos principais que o governo [Lula] agora está tentando fazer é redimensionar essa força de trabalho”, disse, citando o concurso nacional unificado.

Em 2015, o BC teve fluxo positivo, com a admissão de uma parcela dos aprovados em concurso realizado dois anos antes. O volume atual de funcionários resulta de uma sequência de perdas líquidas que teve início em 2016.

Na pandemia, de 2020 a 2022, o número de saídas continuou superando o de entradas, mas com menor intensidade. A tendência de queda voltou a ganhar força no ano passado, quando o BC perdeu mais 115 funcionários —103 deles se aposentaram. Mais 332 servidores tinham direito adquirido à aposentadoria no fim do ano passado.

Para reposição da força de trabalho, o BC voltará a ter um novo concurso em maio, com a oferta de cem vagas para o cargo de analista. A admissão dos novos servidores está prevista para ocorrer apenas em 2025.

Para Peci, contudo, a resposta para essa questão não pode vir apenas via concursos. Ela defende avanços nas esferas legal e infralegal para haver mais flexibilidade nas contratações temporárias e emergenciais.

“Ao mesmo tempo que avance na estruturação da mão de obra no setor público, precisa fazer o ajuste fino, o número e a qualidade adequada das pessoas para a função certa, que é uma lógica ainda não muito presente no setor público brasileiro”, disse.