LUCAS DO RIO VERDE, MT E RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – De um lado, produtores rurais e expositores ávidos por bons negócios em feiras agrícolas. De outro, hotéis que veem na realização de eventos do tipo a possibilidade de faturar mais do que em outros meses do ano. Resultado: leitos inflacionados e uma onda de insatisfação de hóspedes.

O fenômeno se repete em todas as cidades que abrigam as principais feiras agrícolas do país e não poderia ser diferente durante a Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação), em Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo).

Maior evento do gênero no país, a feira ribeirão-pretana estará aberta ao público até esta sexta-feira (3) e faz com que os preços de hospedagens, em geral, tripliquem na cidade. Mas há casos em que a inflação é superior a 1.000% em relação a diárias normais.

A supervalorização dos serviços nessas localidades, impulsionada pelos desempenhos positivos que o agronegócio tem registrado nos últimos anos, tem criado distorções que assustam visitantes e expositores.

Em um dos casos relatados à Folha de S.Paulo, uma representante comercial que trabalhará na Agrishow desejava ficar na cidade entre segunda (29) e quarta (1º), mas não encontrou em sua busca hotéis com disponibilidade de vagas para o período.

“Até encontrei hotel que tinha vaga, mas exigia que eu comprasse o pacote para os cinco dias da feira, o que para mim não faz sentido”, disse Patrícia Silva, que resolveu se hospedar em Araraquara, distante cerca de 90 km de Ribeirão Preto.

A reportagem pesquisou em sites de reservas de hospedagens e encontrou vagas em um estabelecimento que cobrava R$ 11.232 por quatro diárias na semana da Agrishow.

No mesmo hotel, para reservas exatamente iniciadas 30 dias depois, o preço total era de R$ 1.165.

A inflação do agro atinge também a rede hoteleira de cidades no entorno de Ribeirão Preto, que chegam a ficar lotadas por causa da Agrishow. Em Sertãozinho, distante apenas 20 km da feira agrícola, um hotel de rede oferecia hospedagem por R$ 2.000 a diária.

“É um absurdo total isso. O preço subir é normal, mas não nessa proporção”, disse o produtor rural José Carlos Freitas.

Historicamente, o setor hoteleiro alega que a demanda cresce muito no período em relação à média dos outros meses do ano, o que naturalmente eleva os preços, e, além disso, é preciso contratar mão de obra extra para o Agrishow, o que faz subir as despesas dos hotéis.

A discórdia é antiga. Em 2011, período em que a Agrishow quase saiu de Ribeirão tendo os preços como um dos motivos, houve reunião num hotel da cidade para debater o “custo Ribeirão” durante a feira, que inflaciona também preços no setor gastronômico.

Apesar disso, os próprios expositores afirmaram que o efeito prático seria pequeno, já que as relações comerciais são estabelecidas por meio da oferta e da demanda —assim como ocorre com as máquinas agrícolas.

Segundo pesquisa da Secretaria de Turismo e Viagens do governo estadual, 57,83% dos visitantes da Agrishow em 2023 foram à feira um dia e não dormiram na cidade.

Entre os que se hospedam em Ribeirão, 53,2% ficaram em hotéis da cidade ou da região, seguidos por visitantes que se hospedaram em imóveis de amigos ou familiares (14,29%) e em imóveis alugados (12,32%).

CUSTOS ALTOS NO CENTRO-OESTE

Esse cenário também foi visto em outras feiras agrícolas desde o ano passado, como na Show Safra, em Lucas do Rio Verde (MT), e na Tecnoshow Comigo, em Rio Verde (GO).

Na primeira, a Folha de S.Paulo se hospedou num hotel em Sorriso —distante 67 quilômetros—, já que não havia vagas em Lucas. O preço de balcão no dia da chegada era de R$ 799 em um apartamento para uma pessoa. No dia seguinte, o preço havia subido para R$ 1.499. Nesta semana, o hotel oferece o mesmo apartamento por R$ 300.

Já na feira de Rio Verde, em abril do ano passado, a reportagem conversou com os produtores rurais Gustavo Estevão e Manoel Messias, ambos de Mato Grosso do Sul, que debatiam o custo da hospedagem em hotéis em Jataí (GO), onde encontraram um quarto para participarem da Tecnoshow, distante quase 100 quilômetros.

Inconformados com os quase R$ 800 cobrados por dia, entraram num aplicativo de pesquisa de preços em hotéis e viram que, se a hospedagem fosse um mês depois, o preço do mesmo quarto seria de R$ 201.

“Se cada um fizesse sua parte, ficaria menos traumático para todos. Quem vende insumos e maquinário também sofre com esses preços, e isso se reflete nos preços que os produtores pagam”, disse Messias.

Na apresentação da Tecnoshow deste ano, o presidente da Comigo, Antônio Chavaglia, disse que Rio Verde estava completamente lotada e que a cidade “ainda é carente” em espaços para hospedagens.

Sobre o inflacionamento em Ribeirão Preto na Agrishow, o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) disse que é uma ação que não só a prefeitura procura combater, mas também a Acirp (Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto).

“A Agrishow, junto com eventos como João Rock e Ribeirão Rodeo Music, são os principais eventos que a cidade tem, num curtíssimo espaço de tempo, uma presença excessiva de pessoas. A nossa rede hoteleira, apesar de ser bastante robusta, fica bastante saturada nesse período. E é claro que você tem, por parte de alguns setores, um pouco de abuso na questão dos preços.”

Por isso, na avaliação do prefeito, em 2023, além da ocupação de 100% na rede hoteleira —cerca de 15 mil vagas—, hospedagens via aplicativos e em imóveis como chácaras também registraram lotação.

“E, na região, 80% de lotação. Vamos ver se neste ano o comportamento melhora em relação aos anteriores e a gente possa ter uma presença mais tranquila dos nossos visitantes na nossa rede de hospedagem.”

O jornalista viajou a Lucas do Rio Verde a convite da Orígeo