Foto: Francisco Araújo

Já imaginou o ensino de matérias básicas como matemática, biologia, artes ou geografia por meio da cultura indígena? Essa é a proposta de uma comunidade ribeirinha localizada em Manaus, capital do Amazonas. Promovendo a valorização do artesanato, da língua original, dos saberes tradicionais e a recuperação e preservação das memórias das comunidades indígenas, a educação intercultural e indígena é de suma importância para a preservação da natureza e da identidade do seu povo.

Defensor do método de ensino e diretor da Escola Indígena Municipal Kanata T-Ykua, localizada na comunidade de Três Unidos (a 60 quilômetros da capital amazonense), Raimundo Kambeba é um dos idealizadores da pedagogia Kambeba, com quase 30 anos de atuação na região, que promove a união do currículo convencional das demais instituições do país com os conhecimentos tradicionais e base cultural da etnia Kambeba.

Por meio dos ensinamentos, o diretor busca estimular a comunidade por meio de projetos pedagógicos desenvolvidos na escola de maneira ativa. Além disso, Raimundo se considera um gestor de escola comunitário por fazer um trabalho de forma coletiva.

“Não adianta nós fazermos projetos pedagógicos na nossa escola só para aquele momento, para aquela semana e acabou, não adianta. Porque, como que a gente vai desenvolver uma educação de qualidade? Imagina hoje enquanto a gente faz comemoração do Dia dos Povos Indígenas nas escolas não-indígenas, isso aí é naquele dia e acabou. Ninguém mais leva em frente para detalhar sobre os povos indígenas, como que estão os povos indígenas da atualidade, como que era no passado. Hoje eu critico muito a universidade porque a universidade não conseguiu atualizar a história dos povos indígenas. Ainda não conseguiram. Mesmo com alguns nós indígenas pesquisadores, que estamos aí na luta tentando, mas não conseguimos. É importante trabalharmos hoje em dia nessas pedagogias de projeto. Por exemplo, temos o artesanato aqui, é uma das mostras que nós criamos para unir educação com sustentabilidade”, explicou.

Foto: Francisco Araújo

Complementou ainda: “Nós sempre buscamos uma forma de inserir as mães da comunidade para que elas ensinem as crianças a fazer artesanato e deu tanto certo que hoje nós temos uma feira de artesanato na comunidade para todos os visitantes. É uma sustentabilidade muito forte que nós temos hoje. Outro projeto é voltado para comidas típicas do nosso povo Kambeba. Incentivamos alguns alunos a perguntarem dos avós quais comidas eles comiam antigamente e trazemos isso para a atualidade. O turismo é muito forte aqui e então fazemos isso de forma sustentável, de uma forma que venha valorizar e respeitar o trabalho que a escola faz. Depois foi criado outro projeto voltado para a canoagem, visto que muitos alunos, mesmo morando na zona rural ribeirinha, não conhecem mais as canoas típicas como o pai ou o avô fazia, então também promovemos isso”, pontuou.

A escola integra, desde 2018, a rede de instituições que recebem o projeto Aula Digital, uma iniciativa do ProFuturo, programa de educação global da Fundação Telefônica e Fundação “la Caixa”, que visa criar melhores oportunidades para crianças,  jovens e educadores, incorporando a inovação nas escolas por meio da tecnologia e de novas metodologias de ensino e aprendizagem que promovam o desenvolvimento das competências do século XXI.

Outro ponto alto do ensino promovido pela comunidade em torno da valorização do conhecimento tradicional, é a realização de projetos de arco e flecha. Durante uma palestra, Raimundo Kambeba agradeceu aos incentivos da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) em prol da iniciativa. Em 2020, um arqueiro indígena da etnia kambeba tornou-se bicampeão brasileiro de tiro com arco. A disputa aconteceu em Maricá, município do Rio de Janeiro. Nelson Moraes, na época com 20 anos, também conhecido como Inha – seu nome indígena – fazia parte do projeto Arquearia Indígena, realizado pela FAS.

Morador da comunidade Três Unidos, localizada a 60 quilômetros de Manaus, o indígena já conquistou mais de 14 medalhas desde o início do projeto da FAS e participou de competições internacionais, além de ter sido o campeão brasileiro juvenil em 2019. A Arquearia Indígena é um projeto coordenado pela Agenda Indígena da FAS, com apoio da Secretaria de Estado de Juventude, Esporte e Lazer (Sejel) e da Federação Amazonense de Tiro com Arco.

“Isso é muito importante. O nosso primeiro projeto foi sobre o cuidado com a água. Foram vários projetos e sempre mostramos os resultados do que desenvolvemos na comunidade. Agradecemos muito a parceria da Fundação Amazônia Sustentável que viu todo o trabalho da divulgação e nos ajudou. Deu muito certo, graças a Deus, pois fizemos todo um trabalho pedagógico no qual chamamos toda a comunidade. A Confederação Brasileira de Tiro com Arco também gostou muito dessa revitalização, de incentivar as crianças no esporte e também temos essa parceria aqui São vários projetos assim que vem dando certo para nós Kambeba. A escola tem que ser isso, pois é um local de conhecimento e, principalmente, de forma coletiva. Temos quatro atletas aqui que hoje são atletas da Seleção Brasileira de Tiro com Arco”, declarou.