A menos de seis meses da eleição presidencial de 2022, aspirantes a candidatos tentam se firmar como nomes competitivos. A terceira via — uma confluência de lideranças de centro e centro-direita — tem, entretanto, mostrado dificuldade para se diferenciar e ganhar espaço nas pesquisas de intenção de voto.
Em entrevista ao JOTA, o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Fernando Abrucio afirmou que o principal erro, hoje, dos pré-candidatos da terceira via é não verbalizar consistentemente ser contra o presidente Jair Bolsonaro (PL). Para o pesquisador, as eleições presidenciais de 2022 serão um plebiscito sobre o atual governo, e o único lugar de onde essa potencial candidatura poderia roubar votos é do chefe do Executivo.
Na terceira via, estão nomes como o do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que, recentemente, deixou o Podemos e foi para o União Brasil; a senadora Simone Tebet (MDB); o ex-governador de São Paulo João Doria(PSDB); e o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite (PSDB), que, embora tenha perdido as prévias tucanas para Doria, tem corrido por fora.
“Alguém tem dúvida de que Moro, Doria, Simone Tebet e Eduardo Leite não são petistas? Enquanto a terceira via não sair da eleição de 2018, vai ser uma referência numérica bem pequena. Ela tem que ser contra ou favor do Bolsonaro. Se ela quer crescer, e acho que o Lula já está no segundo turno, ela tem que bater no Bolsonaro nos próximos três meses,” analisou Abrucio.
Segundo o especialista, para vingar, as lideranças de terceira via têm de seguir uma receita de três ingredientes:
- candidatura unificada;
- discurso focado no bem-estar econômico e social do eleitorado; e
- escolher Bolsonaro como adversário a ser batido no primeiro turno.
“Se fizer essas três coisas, pode ser que lá para o fim de junho essas chances de 5% [de vencer a eleição] possam se aproximar de 15%. Com 15%, como diz um grande narrador da TV brasileira, temos um jogo.”
Leia abaixo os principais pontos da entrevista:
O que é isso que nos acostumamos a chamar de terceira via?
Terceira via seria uma candidatura de centro para centro-direita, que tentaria se diferenciar tanto de Lula (PT) como de Bolsonaro. Ciro Gomes não pode ser terceira via, porque é de centro-esquerda. Portanto, seriam candidatos que buscariam uma confluência para tentar ir ao segundo turno, provavelmente contra Lula. Pegaria o PSDB, MDB, União Brasil, Podemos, Cidadania. O sonho dessas lideranças é ter um candidato único. Eu não sei se será possível, mas é o sonho deles.
Quem são seus principais atores hoje?
São os partidos de centro a centro-direita que não se vincularam ao governo Bolsonaro, com exceção do PSD , que procura, neste momento, estar livre de Bolsonaro, independente de Lula, mas não quer entrar nesse agrupamento. Se pensarmos bem é, em parte, uma tentativa de reconstruir a aliança que houve no governo Fernando Henrique Cardoso, na época entre PSDB, PFL e com uma parte do PMDB, embora o governo Fernando Henrique fosse mais à esquerda do que a terceira via de hoje.
Além de Doria, Leite, Simone Tebet, o senhor colocaria outros atores na terceira via, como os pré-candidatos à Presidência Luiz Felipe d’Avila (Novo) e André Janones (Avante)?
Teria o Sergio Moro. Mesmo que não seja candidato a presidente, imagina ser uma das lideranças que vai construir essa candidatura de terceira via. Luiz Felipe d’Avila talvez pudesse se aliar dependendo de qual for o desenho. Não garantiria, porque o Novo tem uma raia própria. Janones é mais próximo de Ciro e de Lula. Tem um perfil de centro-esquerda. Está distante do Doria, do Eduardo Leite. Se não for candidato presidencial, estará com Ciro ou com o Lula. Não imagino ele estar com a terceira turma.
Moro disse que, neste momento, abriu mão da candidatura à Presidência. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ensaiou o lançamento de seu nome e recuou, assim como Alessandro Vieira. Qual é impacto dessas desistências?
O senador Alessandro Vieira nunca se colocou como candidato de terceira via. Sua postura é um pouco diferente. Foi mais duro com Bolsonaro. A terceira via, com exceção de Simone Tebet, teve dificuldades para se diferenciar do bolsonarismo. As candidaturas do PSD também não são candidaturas de terceira via. O PSD tem um equilíbrio interno muito difícil, com um grupo hoje marginalmente majoritário a favor de Lula e outro grupo mais favorável a votar no Bolsonaro. No primeiro turno, eles queriam lançar um candidato anódino, que não estivesse vinculado a nenhum das três forças, além de Ciro Gomes. O Moro não desistiu de ser candidato a presidente. Os outros é que desistiram. O Moro quer ser candidato. Acho difícil, porque, no Podemos, ele era a estrela. No União Brasil, não. A tendência é ele tentar ser liderança para construir uma candidatura comum.
Me parece que hoje só tem três nomes disputando uma vaga na terceira via: João Doria, Eduardo Leite e Simone Tebet. Não é certo, mas penso que haverá um esforço para que, dos três, saia um nome comum. Se fosse hoje, o mais forte, porque gera menos resistência, é o da senadora Simone Tebet, mas, por ora, o voto ela não tem. Até junho, haverá esse debate. Nos próximos três meses, esses nomes vão percorrer o país e tentar se viabilizar. Mas se houver uma junção, é uma que ainda não tem clareza sobre o seu discurso. A ideia de que nós não somos nem Bolsonaro, nem Lula é óbvia geometricamente, mas, para o eleitor, não significa nada. Ele quer saber qual é o problema que o candidato se concentrará, e, hoje, o problema é o bem-estar econômico e social do eleitorado das classes C, D e E.
A eleição de 2022 é um plebiscito em relação ao Bolsonaro. Alguém tem dúvida de que Moro, Doria, Simone Tebet e Eduardo Leite não são petistas? Enquanto a terceira via não sair da eleição de 2018, vai ser uma referência numérica bem pequena. Ela tem que ser contra ou favor do Bolsonaro. Se ela quer crescer, e acho que o Lula já está no segundo turno, ela tem que bater no Bolsonaro nos próximos três meses. O nem-nem pode ficar dentro da cabeça deles. Se querem chegar ao segundo turno, têm que bater no Bolsonaro para tentar ultrapassá-lo e, aí sim, disputar com o Lula.
Conforme dados do Agregador Eleitoral do JOTA, Bolsonaro tem cerca de 30% das intenções de voto. Lula, 41%. Tem um espaço relevante para a terceira via, mas nenhum pré-candidato capitalizou esse potencial. É porque não bateram no presidente?
O eleitor do Ciro Gomes não vai votar na terceira via, portanto sobrariam uns 20%. É menos que o necessário. Para derrubar o Bolsonaro, tem que bater nele, porque uma parcela dos que dizem “vou votar no Bolsonaro” não tem uma avaliação de bom e ótimo do governo. Eles poderiam para terceira via, não para o Ciro e nem para o Lula. Se você for tentar tirar do Lula os votos da terceira, esquece. Os votos do Ciro ou do Janones, esquece. O único lugar que a terceira via pode crescer para ser competitiva é no Bolsonaro. A campanha é bater no Bolsonaro do primeiro minuto do dia ao último minuto do dia e, quando alguém perguntar, dizer: “não concordamos com o Lula. Nós estaremos contra ele no segundo turno”. Se não for feito isso, a terceira via é uma tese acadêmica, não é uma candidatura presidencial. A terceira via, ao ficar batendo no Lula e no Bolsonaro ao mesmo tempo, não tem cara. Eleição, para o eleitor mediano, precisa ter uma cara muito clara e acho que, até hoje, eles não conseguiram encontrar sua identidade.
Esse é um erro que a terceira via compartilha. Tiveram erros específicos de pré-candidatos?
O PSDB fez prévias para se destruir, não para se unir. Se Doria criou uma imagem de alguém que não é leal, que gera confusão, e Eduardo Leite queria ser seu oposto, não podia, no dia seguinte, incentivar o partido a derrubá-lo. Isso marcou a candidatura. Se queria ser candidato, Eduardo Leite devia esperar que a árvore caísse por si própria, com a chuva que virá. O PSDB e ambos saíram chamuscados desse processo político. Quem tem saído menos chamuscada é a Simone Tebet, por uma razão simples: no MDB, todo mundo aceita a traição. É normal, é a vida. O Moro demonstrou, a frase não é minha, é do Álvaro Dias, ser incapaz de lidar com a política. Não precisa mais adjetivação. Só cometeu trapalhadas. Para começar, entrar no governo Bolsonaro. Ninguém vai esquecer isso. O Moro é mais rejeitado do que candidatos de terceira via por conjugar a rejeição dos bolsonaristas e dos lulistas. Faltou ao Moro uma visão política mais democrática, inclusive de como se constrói uma candidatura. Ele pode ser um apoiador importante, a despeito de sua jornada de trapalhadas, mas vai ter que reduzir suas pretensões políticas no curto prazo.
Ainda há tempo para a construção de uma terceira via competitiva?
Há tempo. Se fosse hoje a eleição, Lula teria 60% de chance de ganhar; Bolsonaro, 35%; e a terceira via, 5%. Ciro não tem nem 1% de chance. Teria que morrer todos os candidatos. Esses 5% são pouco, mas não são nada. Esses 5% podem pular para 15%. Mas, para isso, é preciso três coisas: candidatura unificada; discurso sobre aquilo que interessa ao povo, não o discurso de 2018; e escolher o adversário a ser batido no primeiro turno. O adversário é o Bolsonaro, de onde a terceira via pode tirar votos para crescer. Se não fizer isso, vai fazer um discurso que agrada uma parte da opinião pública brasileira, mas que não elege ninguém. Quando se entra em eleições, o objetivo é ganhá-las. Se fizer essas três coisas, pode ser que, lá para o fim de junho, essas chances de 5% possam se aproximar de 15%. Com 15%, como diz um grande narrador da TV brasileira, temos um jogo.
ARTHUR GUIMARÃES – Repórter em São Paulo. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA. Estudante de jornalismo na Faculdade Cásper Libero. Antes, trabalhou no Suno Notícias cobrindo mercado de capitais. Email: arthur.guimaraes@jota.info