SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Por unanimidade, os ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) decidiram, nesta quarta-feira (3), pelo arquivamento do caso da Âmbar. A empresa buscava um acordo para manter contratos de quatro térmicas a gás que não entraram em operação no prazo previsto.
A área técnica da corte não endossou os argumentos da Âmbar para justificar o atraso e, na falta de consenso, o tribunal optou pelo arquivamento –sem entrar no mérito dos termos do acordo proposto.
A Âmbar é a empresa de energia do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, que também controla a JBS, maior companhia do setor de carnes no mundo.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da companhia enviou nota na qual afirma que ainda vai tentar alternativas para validar a operação das térmicas.
“A Âmbar Energia vai continuar buscando uma solução consensual que preserve a segurança energética e jurídica do país e evite a judicialização do impasse, prejudicial aos consumidores de energia e a toda a sociedade”, diz.
O pleito da Âmbar foi analisado no TCU pela Secex Consenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos). Pela regra original, os acordos precisavam de consenso para serem fechados, ou seriam arquivados.
A regra foi alterada na semana passada, mas, para o caso da Âmbar, que já havia sido negociado, valeu a regra original. Agora, se ocorrer falta de consenso em futuras negociações, os ministros vão avaliar o destino do acordo negociado.
O relator do caso da Âmbar, ministro Benjamin Zymler, deixou claro que pediu a arquivamento seguindo a norma, e foi acompanhado pelos demais ministros, que demonstraram apoio à solução da controvérsia via acordo.
Em suas falas, houve a sinalização de que não se oporiam a que o acordo fosse avaliado pelo MME (Ministério de Minas e Energia).
Segundo versão preliminar do acórdão, divulgado após o julgamento desta quarta, um dos argumentos apresentados a favor da negociação era evitar o risco judicial.
“Um possível cenário de razoável à empresa, com três ou quatro contratos com êxito judicial, pode custar aos consumidores aproximadamente R$ 13 bilhões, valor superior do acordo, que é de aproximadamente R$ 9,5 bilhões”, destaca o texto. O acórdão final ainda será publicado.
Apenas o ministro Walton Rodrigues se opôs ao mérito da discussão, a validade ou não do acordo.
“Acho, que nesse contrato há problemas que são insuperáveis no mérito e considero extremamente salutar e correto o arquivamento”, afirmou.
“Considero que a Âmbar não adimpliu as cláusulas do contrato, seja a termo, seja a modo. Considero que a empresa, no momento da apresentação das usinas de forma operacional, não o fez. Então no modo a empresa não pode dispor livremente de como vai apresentar a carga contratada. Não pode arrendar usina em Mato Grosso ou Rio Grande do Sul e dizer que concluiu perfeitamente o contrato”, disse o ministro.
As quatro térmicas saíram vencedoras do leilão emergencial realizado durante a crise hídrica, em outubro de 2021. Pelo seu caráter excepcional, o certame foi batizado de PCS (Procedimento Competitivo Simplificado).
A Âmbar não participou do certame. Comprou os projetos no final do ano e tenta, desde o início de 2022, alterar o contrato original. Um dos pleitos foi trocar as quatro térmicas utilizando outro empreendimento, a usina de Cuiabá, com mais de 20 anos de operação.
A cláusula 4.4 do contrato original, no entanto, veta essa alternativa, ao explicitar que a energia não pode ser entregue por outra usina do vendedor, pela usina de outro agente ou conjunto de agentes do setor de energia.
As discussões pela troca foi marcada por reviravoltas ao longo de 2022, na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), considerado pelo setor o fórum natural para esse tipo de debate. As justificativas para o atraso, como a necessidade de fazer alterações no projeto original, no entanto, não foram acatadas.
A maioria da diretoria da agência, seguindo orientação da área técnica, votou pelo cancelamento dos contratos, uma vez que as usinas não estavam operacionais no prazo.
A empresa recorreu da decisão, apresentando novas justificativas. O diretor Ricardo Tili, no entanto, pediu vista do processo e não voltou a tratar do caso, colocando a discussão em um limbo regulatório.
Como outros contratos tiveram problemas na Aneel, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia), solicitou que o TCU buscasse o consenso, levando a novo impasse, desta vez na corte.
Pelo relatório final, o acordo, se vingasse, autorizava a Âmbar a trocar as quatro usinas que venceram o PCS pela térmica de Cuiabá, mediante a comprovação de que os quatro novos empreendimentos estavam operacionais.
Os técnicos da corte, tanto da área de energia quanto da própria Secex Consenso, afirmaram não haver comprovação da Aneel de que as novas térmicas ficaram prontas no prazo e tinham capacidade de operar a plena potência, o que inviabilizava o acordo.
Em sua manifestação sobre a questão, o Ministério Público junto ao TCU chegou a dizer que o órgão assumiria uma responsabilidade que não era dele se fechasse o acordo sem que a Aneel garantisse que as térmicas de fato operavam na data prevista.
Zymler chegou a pedir uma atualização da Aneel sobre as condições das usinas, mas os técnicos mantiveram a posição, levando ao arquivamento nesta quarta.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, que se mobilizou em favor do arquivamento, soltou nota destacando que o papel de validar ou não a operação das usinas não cabe ao MME, e que o assunto deve ser definitivamente tratado pela Aneel.
“Nove processos de contratação de usinas térmicas relativos ao PCS, entre eles o da Âmbar Energia, permaneceram em análise por meses na diretoria colegiada da Aneel, sem conclusão. Todos, de alguma forma, precisavam de avaliação por não terem cumprido as condições previstas ou por não terem prestado integralmente os serviços, uma vez que as térmicas não precisaram ser acionadas como se imaginava”, afirmou a entidade.
“A falta de decisão do órgão regulador deu espaço a um imbróglio maior, que passou pelo TCU, tendo sido hoje [quarta] arquivado, e agora pode voltar para a própria agência reguladora, que não poderá persistir na omissão.”