SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A junta militar que controla Mianmar desde o golpe de Estado que deu origem a brutal guerra civil, há 3 anos, tem perdido territórios em meio a ações sincronizadas de diversos grupos armados do país que fizeram o Exército recuar de cidades e bases importantes próximas à fronteira com a China, no nordeste do país.

No final de outubro uma aliança de milícias étnicas e pró-democracia lançou a operação, que terminou com a tomada de mais de cem posições no estado de Shan, o maior do país, segundo análise do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, em inglês).

O sucesso da operação 1027, como foi chamada a ação da aliança, provocou desacordos no interior da junta militar e deserções em massa nas Forças Armadas. Milhares de soldados fugiram para a Índia e a China. Até mesmo críticas públicas inéditas foram feitas por simpatizantes conhecidos do Exército, cujo regime tem perseguido críticos e dissidentes e postergado eleições.

No dia 1º de fevereiro de 2021, o Exército prendeu a cúpula civil do governo, incluindo a líder do país, Aung San Suu Kyi, que está até hoje detida na prisão de Naypyitaw. Segundo seu filho, Suu Kyi, que tem 78 anos, está confinada em uma solitária.

A líder política enfrenta 27 anos de prisão por crimes que vão de traição e suborno a violações da lei de telecomunicações -acusações que ela nega. Líderes mundiais e ativistas pró-democracia têm pedido repetidamente sua libertação.

Nesta quarta-feira (1º), diante dos ganhos estratégicos das milícias, a junta decidiu prorrogar por mais seis meses o estado de emergência, em vigor desde o golpe e que vem sendo estendido periodicamente. Os militares argumentaram que “a situação não voltou ao normal”.

A decisão também adia novamente as eleições prometidas pelos militares desde que assumiram o poder. Mais de 4.400 pessoas morreram na repressão que se seguiu ao golpe, segundo uma organizações locais.

“A junta nunca esteve tão fraca”, afirma Htwe Htwe Thein, Universidade Curtin, da Austrália, que acredita agora ser “possível que o Exército sofra uma série de derrotas significativas”.

No início de janeiro, a China, aliada da junta militar, mediou um cessar-fogo que pôs fim aos combates no estado de Shan, permitindo que milícias consolidassem suas novas posições.

Entre elas está a cidade fronteiriça de Laukkai, central para jogos de azar, prostituição e tráfico de drogas, a uma curta distância da fronteira chinesa. Os seis generais considerados responsáveis pela perda da cidade que recuaram após derrotas estão agora sujeitos à pena de morte.

Além dessa área, os confrontos continuam mais a oeste, no estado de Rakhin, onde outro grupo armado afirmou no último dia 25 ter tomado o porto de Pauktaw e controlado várias posições perto da fronteira com a Índia.

De acordo com fontes militares que pediram anonimato à AFP, as Forças Armadas estão desmoralizadas, um fenômeno que é observado até mesmo na cúpula.

No início do mês, um monge budista se dirigiu à multidão em Pyin Oo Lwin, uma cidade que abriga uma academia militar de elite, e instou o chefe da junta, Min Aung Hlaing, a renunciar -a mensagem foi amplamente compartilhada nas redes sociais.

Analistas estimam, no entanto, que é prematuro falar em queda do regime militar ou de mudanças em sua liderança.

A rota das milícias, agrupadas na chamada Aliança da Fraternidade, não está muito clara. Também não se sabe se eles têm a intenção de ir além de suas ambições regionais e influenciar a luta pela democracia em nível nacional.

De qualquer forma, as importantes perdas no campo de batalha podem levar os generais a arriscar tudo. “Há muito tempo, o terror, a violência extrema, as violações, a tortura, o saque e o incêndio de vilas fazem parte da doutrina militar operacional”, diz David Mathieson, especialista independente no país, à AFP.

A junta militar “acredita que a persistência nas atrocidades e um grande poder de fogo garantirão a sobrevivência do regime”, afirma ele.