SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O transporte público segue como o local no qual as mulheres mais sentem medo de sofrer algum tipo de assédio na cidade de São Paulo, com 37%. Em segundo lugar, está a rua (24%), seguida de bares e casas noturnas (10%) e, nos últimos lugares do ranking, ambiente familiar (3%) e trabalho (2%).

Os números são da pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher”, realizada pela Rede Nossa São Paulo e pelo Ipec e divulgada nesta terça-feira (5). Foram entrevistadas 800 pessoas de 16 anos ou mais, sendo 424 mulheres.

As entrevistas foram feitas do 1º ao 18 de dezembro de 2023 de forma online e em domicílios com questionários estruturados. Algumas questões foram voltadas apenas ao público feminino. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

A pesquisa aponta que o receio por transporte público se mantém estável se comparado com 2023, quando o local também foi citado como ponto em que as mulheres mais sentem medo de assédio sexual (39%).

O estudo mostra que o medo de circular pelas ruas da cidade se mantém em destaque. Quando analisados os dados por região, o transporte público é o principal temor entre as paulistas da zona norte, leste e sul. Na região oeste e centro, o temor prevalece nas ruas.

O relatório aponta que duas em cada três entrevistadas já sofreram algum tipo de assédio e estima que 3,4 milhões de paulistanas com mais de 16 anos tenham sido vítimas deste tipo de crime.

Para Jorge Abrahão, coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis (que realiza a Rede Nossa São Paulo) e colunista da Folha de S.Paulo, o resultado da pesquisa demonstra que a cidade permanece com problemas de diferentes dimensões.

“As mudanças são necessárias e urgentes no país. Com as eleições deste ano, temos oportunidade de verificar as propostas do candidato que dialoguem com os temas que a pesquisa mostra”, afirmou.

Entre os tipos de assédios, alguns se mantiveram estáveis entre 2023 e 2024. Por exemplo, mulheres que já sofreram com gestos, olhares incômodos ou comentários invasivo representam 53% das entrevistas —o mesmo número do ano passado— e paulistanas que afirmam ter sofrido assédio dentro do transporte público foram 45% em 2023 e 44% agora.

Nos dois casos, o perfil das vítimas é parecido. No caso das mulheres que afirmam terem sido alvo de gestos, olhares incômodos ou comentários invasivos, a maioria tem a renda familiar acima de cinco salários mínimos (78%), de 16 a 24 anos (77%), ensino superior (74%) e é da classe A/B (74%).

O perfil é semelhante ao de mulheres que afirmam terem sido assediada dentro do transporte público, que tem em sua maioria de 16 a 24 anos (69%), renda familiar acima de cinco salários mínimos (68%), ensino superior (63%), são da classe A/B (62%) e são ateias (62%).

A pesquisa também mede questões relacionadas a igualdade de gênero no ambiente doméstico. A maioria dos entrevistados afirma que as mulheres são totalmente responsáveis ou assumem a maior parte das tarefas domésticas (41%) dos lares de São Paulo.

A diferença de percepção sobre a divisão de tarefas domésticas entre homens e mulheres é alta. Segundo 32% das mulheres, o serviço é dividido igualmente; para os homens, o percentual sobe para 50%.

Além disso, as principais tarefas realizadas pelas mulheres estão limpar a casa, preparar as refeições e lavar a louça. Para os homens, as tarefas mais comuns são a manutenção da casa, tirar o lixo e organizar a casa.

A pesquisa ainda mostra que 4% dos homens dizem que a realização de tarefas domésticas é exclusividade das mulheres —na pesquisa do ano passado, este percentual chegou a 12%. Para o total dos entrevistados, a responsabilidade exclusiva para mulheres do trabalho doméstico chega a 9%, sendo que em 2023 era de 16%.

Para Luciana Terra, especialista em direito das mulheres, apesar da população, em geral, concordar que as tarefas domésticas devem ser compartilhadas, elas ainda sofrem maiores consequências dessa sobrecarga.

“Isso ainda impacta nas carreiras, estudo, trabalho e até jornada de autocuidado e bem-estar pessoal das mulheres”, diz.

Terra aponta ainda que é preciso considerar que o alto índice de mães solo no Brasil. “Infelizmente, as mulheres estão mais sujeitas e mais sobrecarregadas.”

Apesar do medo estar na rua, ela afirma que mais de 70% dos casos de violência contra mulher acontecem dentro de casa e são causados por agressores conhecidos, conforme o último relatório do Fórum Nacional de Segurança Pública.

Do total de entrevistados pela pesquisa divulgada nesta terça, 49% consideram que o aumento da pena dos agressores é a medida prioritária para combater o assédio e a violência contra a mulher. A segunda ação mais mencionada é a ampliação dos serviços de proteção (37%).

“A sensação de impunidade reflete ainda mais nos casos de assédio e importunação no transporte público, em que muitas vezes não sabe que é um agressor para um eventual processo judicial que vai demandar muito mais tempo da mulher de ir até delegacia. Muitas vezes, ela está sobrecarregada com as tarefas domésticas inclusive e com o trabalho e não tem tempo aí de ir atrás disso.”

Diretora-executiva da Serenas, organização sem fins lucrativos que atua na prevenção e enfrentamento de violências contra meninas e mulheres, Amanda Sadalla considera que a alta taxa de pessoas que consideram que o aumento de pena é a solução para a redução do assédio sexual é um reflexo da população que considera que quem comete crime sexual vai sair ileso.

“Prisão não resolve violência doméstica no Brasil. O que funciona é a ressocialização do agressor, que é capaz de diminuir o nível de reincidência. É necessário educação para homens agressores e assediadores porque violência contra mulher é cultura, não é doença.”