RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Ao completar um ano de liberdade em dezembro, o ex-governador Sérgio Cabral avançou algumas casas na redução de suas condenações impostas pela Operação Lava Jato. Ainda mantém, contudo, uma pena acumulada mais do que tricentenária e luta para aproveitar mais a vida fora da prisão.

O objetivo mais imediato é a retirada da tornozeleira eletrônica, imposta pelo TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região). Apesar do aval do Ministério Público Federal, o tribunal ainda não autorizou a devolução do equipamento.

Ao longo deste ano, Cabral se beneficiou da anulação das provas da Odebrecht e das evidências recolhidas na Operação Ponto Final, sobre a atuação de donos de empresas de ônibus. Contudo acumulou derrotas na tentativa de derrubar as condenações em estágio mais avançado, que impedem o sonho de retornar à política.

Cabral deixou a cadeia em dezembro do ano passado após seis anos detido preventivamente sob acusação de cobrar 5% de propina sobre grandes contratos de sua gestão no Governo do Rio de Janeiro (2007-2014). Foi o mais longevo e o último preso da Lava Jato a deixar a cadeia. Ele nega as acusações.

A liberdade foi obtida após uma sequência de vitórias iniciadas em 2021 contra decisões do juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato na Justiça Federal do Rio de Janeiro e autor de 19 das 21 sentenças ainda válidas contra o ex-governador.

Cabral chegou a cumprir por dois meses recolhimento domiciliar, mas já em fevereiro foi autorizado a circular livremente com a tornozeleira eletrônica. Passou a usar de forma intensiva as redes sociais, chegou a ser escolhido como enredo de escola de samba e, em novembro, afirmou que almeja se candidatar a deputado federal “caso a Justiça permita”.

Apesar das vitórias, ele ainda acumula 21 condenações válidas, cujas penas somadas superam os 375 anos de prisão. Duas delas já foram confirmadas em segunda instância e as tentativas para revertê-las não tiveram sucesso. Elas impedem, a princípio, uma eventual candidatura, em razão da Lei da Ficha Limpa.

Uma se refere ao suposto pagamento de propina pela empreiteira Andrade Gutierrez em razão das obras do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro). A sentença do ex-juiz Sergio Moro, atualmente senador pela União Brasil-PR, chegou a ser anulada pelo juiz Eduardo Appio, mas restabelecida pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

A defesa do ex-governador ainda tenta anular a condenação com base nos diálogos entre procuradores da Lava Jato revelados pela Vaza Jato e que constam na Operação Spoofing.

Curiosamente, a outra condenação que limita o retorno à política não tem qualquer relação com a Lava Jato. Trata-se da acusação por peculato pelo uso considerado abusivo de helicópteros do estado para viagens a Mangaratiba, onde tinha uma casa de veraneio.

O Tribunal de Justiça negou o recurso especial apresentado pela defesa do ex-governador para levar o caso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Os advogados apelaram da decisão à própria corte, pedindo a anulação da sentença por supostamente não ter considerado os argumentos defensivos, entre eles a absolvição por improbidade administrativa pelos mesmos atos.

Cabral também continua a sofrer reveses pontuais em razão das ações penais em curso. A Operação Fatura Exposta, cuja condenação foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal, teve os atos iniciais convalidados pelo juiz Vitor Valpuesta e foi reaberta.

O Ministério Público Federal ampliou o rol de provas, incluindo a delação do ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes, firmada após a primeira condenação.

No caso Odebrecht, apesar da anulação das provas, a Procuradoria ainda tenta manter válida a condenação usando como base outras provas e delações colhidas durante as investigações. O TRF-2 ainda vai decidir sobre o tema.

Cabral sofreu até uma condenação de ressarcimento da massa falida da transportadora TransExpert, usada por seus doleiros, segundo o MPF, Renato e Marcelo Chebar para movimentação da suposta propina do esquema. O ex-governador e os irmãos foram condenados em outubro a pagar R$ 111 milhões pelo suposto prejuízo causado no envolvimento da empresa no esquema de corrupção.

A principal aposta da defesa para reduzir de forma significativa o volume de condenações é uma reclamação recém-proposta ao STF na qual questiona a competência de Bretas o caso da Operação Calicute, a primeira contra o ex-governador na Justiça Federal do Rio de Janeiro.

O argumento é de que a denúncia inclui entre as acusações de corrupção o repasse de R$ 2 milhões ao PMDB. Para os advogados, a inclusão deste fato deveria levar o processo para a Justiça Eleitoral. Uma decisão favorável poderia, na avaliação da defesa, gerar um efeito cascata sobre as demais sentenças assinadas por Bretas.

Outra aposta é uma definição nos processos administrativos disciplinares contra Bretas no CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O magistrado foi afastado temporariamente enquanto o conselho investiga suposta irregularidades na condução de seus processos.

Uma eventual punição definitiva poderia, na avaliação da defesa, resultar na anulação das condenações. Bretas foi o responsável por 19 das 21 condenações ainda ativas.

Enquanto luta nos tribunais superiores, o ex-governador também almeja pequenas vitórias. A principal dela é a retirada da tornozeleira eletrônica, com que convive há um ano.

O MPF posicionou-se de forma favorável. Contudo, num julgamento confuso, cujo resultado final não foi compreendido até pelos juízes do TRF-2, a retirada não foi autorizada.

Enquanto aguarda, Cabral mantém a retomada dos contatos políticos e a prestação de consultoria a pré-candidatos da eleição de 2024. Ele também deixou o apartamento que vivia em Copacabana para um mais amplo, no Jardim Botânico.