SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Comunidades quilombolas de Alcântara (MA) deixaram o GTI (Grupo de Trabalho Interministerial), cujo objetivo era conciliar as reivindicações quilombolas com os interesses da Base Espacial de Alcântara. O comunicado sobre a saída temporária ocorreu na última sexta (26).

As comunidades dizem que o grupo nunca apresentou estudos técnicos que justificassem a necessidade de expansão da área ocupada pelo Centro de Lançamento sobre o território quilombola.

A ideia é ampliar a área de 87 quilômetros quadrados para 213 quilômetros quadrados, o equivalente a 54 e 144 parques Ibirapuera, respectivamente.

Também afirmam que não foram mostrados quaisquer estudos de viabilidade econômica que permitam saber ou estimar quais as reais vantagens econômicas geradas pela política de privatização espacial a ser desenvolvida a partir de Alcântara e que, segundo o governo, demandaria a expansão da Base Espacial.

Inaugurada em 1983 e construída pela Força Aérea Brasileira, a base é alvo de denúncias por ter removido diversas comunidades quilombolas de suas áreas de origem.

O caso foi a julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos em abril do ano passado pela suspeita de ter violado direitos de quilombolas. Na época, o governo brasileiro admitiu a violação.

O cientista político Danilo Serejo, 39, do quilombo Canelatiua, membro do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara, conta que as comunidades insistem que o Estado brasileiro precisa atender às condições dos quilombolas para que o diálogo avance.

“A primeira, que não abrimos mão, é titular o território quilombola de Alcântara, tendo em vista que não há impedimento legal para a titulação do território porque o processo administrativo e jurídico já foi concluído em 2008 e não houve nenhuma contestação”, explica ele.

Além disso, as comunidades exigem que o governo apresente os estudos técnicos em questão que justifiquem a necessidade de expansão da base e sua viabilidade econômica.

Em resposta à reportagem, o Ministério da Igualdade Racial afirmou que a diferença numérica entre representantes quilombolas e ministeriais não representa qualquer tipo de prejuízo uma vez que não há um sistema de votação em que a diferença numérica represente vantagem ou desvantagem.

O órgão disse ainda que as organizações convidadas a integrar o grupo são peticionárias na ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos e notoriamente reconhecidas por suas ações em defesa de suas comunidades.

O ministério afirmou ainda que seguirá buscando uma solução que atenda às comunidades e ao governo e, para isso, considera a presença das organizações no GTI indispensável.

Criado em abril de 2023 e iniciado em setembro do mesmo ano, o GTI é coordenado pela AGU (Advocacia-Geral da União) e tinha quatro representantes das entidades quilombolas e 13 do governo federal.

A AGU disse à reportagem que está em contato com as comunidades para retomada do diálogo.

Os órgãos governamentais que integram o grupo são estes: AGU; Casa Civil; Ciência, Tecnologia e Inovação; Defesa; Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Direitos Humanos e da Cidadania; Igualdade Racial; Relações Exteriores; Secretaria-Geral da Presidência da República; Agência Espacial Brasileira; Comando da Aeronáutica; Fundação Cultural Palmares; e Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

“Como vai ter diálogo sobre algo que é uma discussão sobre nossas vidas, se não tem projeto a apresentar?”, questiona Moisés Costa Santos, 37, liderança da comunidade de Vista Alegre e membro do Grupo de Trabalho. “Reunimos e resolvemos nos retirar.”

Moisés diz que, com a chegada da Base Espacial, sua família perdeu o restaurante que possuía.

Após a intervenção dos ministérios, os militares recuaram e o Estado prometeu indenizar e realizar as reparações na cidade, o que ainda não aconteceu.

“A gente não tem como se retirar. É a nossa casa, nossa vivência, nossa família. Vista Alegre é uma comunidade quilombola familiar. Mesmo assim, vieram.”

Como parte do acordo de compensação, o governo prometeu às comunidades o fortalecimento de seus sistemas produtivos por meio da integração de várias atividades, como criação de galinhas e peixes, compostagem e vermicompostagem e horticultura.

A promessa inclui ainda a oferta de 23 bolsas para estudantes quilombolas que possam atuar no desenvolvimento do projeto, acordo a ser cumprido ao longo deste ano.

Além disso, foram destinados R$ 5 milhões pelo Ministério da Igualdade Racial por meio de um termo de execução descentralizada. O termo foi firmado com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão para atender às comunidades da região.

Para construir qualquer obra ou ação que interfira no dia a dia de povos tradicionais como indígenas e quilombolas, governos e empresas públicas e privadas são obrigados a consultar os locais, conforme o direito à consulta prévia da convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), em vigor no Brasil desde julho de 2003.

Em 1980, comunidades de Alcântara foram realocadas para outra região na época de instalação do CLA (Centro de Lançamento de Alcântara) na cidade. Hoje, o temor das comunidades como Canelatiua e Mamuna é que o caso se repita com essa possível expansão.

A titulação é uma das principais condições das comunidades para retomada ao Grupo de Trabalho e do diálogo. As comunidades já são reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares e há anos já deram entrada no processo de titulação no Incra, mas sem sucesso.

O processo está parado devido a contestação do Ministério da Defesa, que afirmou que as terras pertencem ao CLA.