SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma quadrilha especializada em roubos e furtos de celulares movimentou de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões nos últimos quatro anos, período em que um único quarteirão na rua Guainases, na região central, se transformou no epicentro desse tipo de crime na capital.

O endereço é comumente apontado por vítimas que tiveram seus celulares subtraídos e tiveram acesso à localização após serem atacadas por assaltantes em bicicletas pela chamada gangue dos quebra-vidros, que ataca veículos parados no trânsito para agir.

O montante, movimentado pela invasão de contas bancárias por meio de aplicativos das vítimas e revenda dos aparelhos no exterior, consta em investigação da Polícia Civil que embasou operação deflagrada na manhã desta quarta-feira (6) para prender suspeitos de receptação.

Comércios na rua Guaianases e em outros endereços na região central da cidade foram alvo de mandados de busca e apreensão. Um homem de origem sírio-libanesa, apontado como chefe da quadrilha, foi preso nesta quarta, segundo a polícia.

De acordo com as investigações, ao menos quatro estabelecimentos no mesmo quarteirão, entre as ruas Aurora e Timbiras, são usados pelos criminosos para armazenar celulares roubados e despistar os policiais. Vizinhos relatam que uma padaria, dois bares e uma bicicletaria abrem apenas durante a noite, quando os ladrões aparecem e se passam por frequentadores.

Um morador contou que, em um dos bares nesse quarteirão da rua Guaianases, uma mesa na calçada é ocupada quase todas as noites pelo mesmo grupo de criminosos, que usa o estabelecimento para monitorar a negociação dos celulares roubados.

Na quadra há ainda uma padaria que passa a maior parte do tempo fechada, de acordo com vizinhos. A Folha de S.Paulo foi ao endereço no fim da tarde de segunda-feira (4) e encontrou o estabelecimento trancado. Uma moradora relatou que o local também só funciona à noite, quando há aglomeração de jovens e menores de idade em bicicletas.

Após o movimento intenso de integrantes da chamada gangue da bicicleta durante a noite, que vão ao local negociar os aparelhos furtados, é comum a rua amanhecer com dezenas de capas e chips de celular jogados pelo chão, relatam moradores.

A ação de ladrões especializados em atacar sobre duas rodas é a primeira parte da dinâmica da quadrilha. Eles agem em grupos para passarem o aparelho recém-furtado de pedestres entre si e, assim, evitar o flagrante caso sejam pegos. Um deles segue até a rua Guaianases, onde receptadores ficam na calçada e negociam os valores dos aparelhos repassados.

Uma investigação de 2022 encontrou tabelas de preços de acordo com o modelo roubado. Um iPhone 13, por exemplo, que custa a partir de R$ 5.499 na loja virtual da marca Apple, rende R$ 800 ao criminoso. Um iPhone 7, mais antigo e já fora de linha, R$ 150.

Segundo as investigações, esses receptadores levam os aparelhos às centrais de desbloqueio montadas dentro de apartamentos de 33 metros quadrados em um prédio residencial na rua Guaianases. De lá, os celulares são repassados a revendedores de peças ou encaminhados a países da África, onde não há restrição do número de registro dos aparelhos roubados.

De acordo com a Polícia Civil, cerca de 200 pessoas foram autuadas como integrantes da chamada gangue da bicicleta no ano passado, e ao menos 150 bicicletas foram apreendidas na região central. A maioria são jovens ou menores de idade. No ano passado, a Polícia Militar apreendeu 81 menores acusados de usar bicicletas para furtar celulares, e no ano anterior apenas uma apreensão foi registrada.

Os comércios alvos das investigações dividem calçada com o edifício residencial que abriga as centrais de desbloqueio. No ano passado, operação do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) prendeu o morador Amadou Diallo, acusado de receptação.

Assim como a rua Guaianases é conhecida como um esconderijo de celulares roubados e furtados na cidade, o imigrante africano Diallo aparece em várias apurações da Polícia Civil sobre receptação na região central.

Os policiais encontraram mais de 20 celulares furtados em dois apartamentos dos quais Diallo tinha as chaves e liberou a entrada dos investigadores em outro prédio no mesmo quarteirão. O acusado foi condenado a seis anos de prisão no regime semiaberto.

Procurada, a defesa de Diallo não havia respondido até a publicação deste texto.

A padaria citada pelos vizinhos pelo movimento noturno fica a poucos metros do local onde o imigrante foi preso e está registrada no nome de Gnalen Sako, casada com Diallo, segundo as investigações. A mulher era sócia do marido em outro estabelecimento, uma lan house, alvo de busca e apreensão no ano passado sob acusação de receptação de aparelhos roubados.

Gnalen foi presa sob a mesma acusação do marido, mas foi solta em fevereiro deste ano após excesso de prazo da prisão preventiva. A defesa dela também foi procurada, mas não respondeu.

Segundo inquéritos abertos por mais de uma delegacia de polícia na região central, imigrantes africanos, principalmente vindos de Senegal, chefiam o comércio de telefones subtraídos na cidade. Os aparelhos são enviados para países na África, onde não há restrição ao número de registro de aparelhos roubados como ocorre no Brasil.