SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O poder dos presídios federais contra as estratégias do crime organizado é limitado, mesmo com os protocolos rígidos de controle. Na última semana, a fuga inédita de dois detentos em Mossoró (RN), onde fica uma das cinco unidades de segurança máxima sob gestão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, colocou em xeque o sistema criado para isolar chefes das maiores facções que atuam no Brasil.

Especialistas ouvidos pela Folha apontam que a explicação está na evolução dos grupos criminosos, que têm se adaptado em redes mais descentralizadas e menos dependentes de uma liderança.

Avaliam ainda que a vigilância extrema pode criar mercados ilegais lucrativos para benefícios e corrupção de servidores.

Já agentes afirmam que o apoio da rede federal é fundamental para o combate ao crime e pedem mais recursos humanos e tecnológicos para aprimorar o monitoramento e novas evitar falhas.

Inspiradas no modelo americano chamado de supermax, cuja unidade pioneira foi inaugurada em 1983, em Marion, no estado de Illinois, as penitenciárias federais passaram a funcionar no Brasil com a abertura da unidade de Catanduvas (PR), em 2006.

Nelas, o controle vai da rotina dos internos às regras de visita, que só ocorrem por meio de parlatório ou videoconferência.

Para os visitantes, por exemplo, é necessário, além de cadastros, agendamentos de horário e quatro etapas de revistas físicas e eletrônicas, apresentar laudo médico até em caso de uso de aparelhos ortodônticos.

Os presos ficam isolados em celas individuais de aproximadamente 7 m². Caso cometam infrações, crimes ou quebrem regras, podem ser direcionados ao Regime Disciplinar Diferenciado, sem benefícios como banho de sol coletivo –o contato com o sol passa a ser feito por uma abertura, de dentro da própria cela, de 12 m².

Era esse o caso de Rogério da Silva Mendonça, 36, e Deibson Cabral Nascimento, 34, que teriam escapado através dos buracos das luminárias de cada cela e se aproveitado das ferramentas de uma obra para cortar o alambrado que cerca o presídio.

Segundo Roberto Moura, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o sistema penitenciário federal reflete um embate entre a proposta de integração social e a de controle do preso, com tendência de vitória do segundo princípio.

Ele avalia que a justificativa da segurança, no modelo federal, é usada para a violação de prerrogativas, como a de privacidade dos advogados com seus clientes, e a submissão de detentos a tortura, como na falta de contato direto com a família em visitas.

Para Moura, a captura e custódia de lideranças do crime em presídios federais –em 2019, por exemplo, 21 membros do PCC (Primeiro Comando da Capital) foram transferidos para a rede federal– não significa uma limitação substancial das facções. Isso ocorre, segundo ele, porque atualmente elas estão mais organizadas em redes que permitem decisões descentralizadas, especialmente no tráfico internacional de drogas.

Como um revés, ele vê uma valorização, diretamente proporcional ao nível de controle, de um mercado paralelo de benefícios, como informações, facilitação e planos de fuga e acesso a celulares.

“Já houve presídios com orelhão e, em determinado momento, foram proibidas essas ligações. Isso levou a um mercado ilegal de celulares, que podem chegar a R$ 15 mil aqui em Alagoas, com ligações igualmente caras”, diz.

“Não existe fuga de presídio federal sem que tenha havido mercados ilegais nesses espaços. Mas não podemos dizer quem foi favorecido, é preciso esperar a investigação policial”, afirma também, em referência ao caso de Mossoró.

A possível ajuda de funcionários está em investigação em Mossoró. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, considerou a fuga um episódio grave, mas afirmou que isso não afeta a segurança dos presídios federais.

Na visão do presidente da Ageppen Brasil (Associação dos Policiais Penais do Brasil), Ferdinando Gregório Querino da Silva, a transferência de detentos para o sistema federal é parte importante da estratégia de combate ao crime organizado no país.

Silva é policial penal e atua no Presídio Regional de Biguaçu, na Grande Florianópolis, em Santa Catarina. No estado, os presos se dividem principalmente entre o PCC e o PGC (Primeiro Grupo Catarinense), grupo local.

Em 2012, ele diz, os agentes catarinenses viram minguar as ondas de atentados após a transferência de presos do PGC para o sistema federal. “Foi como estancar a sangria.”

O também policial penal Varlei Ferreira, vice-presidente da Ageppen, vê, porém, como falha a falta de maiores investimentos federais.

“Se de um lado tem o crime, que arrecada quase R$ 1 bilhão, e o Estado não acompanha, fica inviável”, opina ele, que trabalha no sistema federal.

Para ele, os agentes, que supervisionam todas as rotinas em unidades federais e precisam lidar com inspeções e o acompanhamento de presos o tempo todo, necessitam de maior apoio, com mais pessoal e tecnologia.

Entre as ações que justificam esses investimentos, segundo Varlei, está a produção de informações de inteligência. Elas já ajudaram, entre outros casos, a desarticular um plano de ataque contra o ex-ministro da Justiça e atual senador Sergio Moro (União Brasil-PR).

Após a fuga em Mossoró, agentes ouvidos pela Folha celebraram os anúncios do ministério de reforço na segurança com muralhas em torno dos presídios federais e o pedido de nomeação de 80 policiais penais federais.

Ferreira, que atua no Distrito Federal, aponta que outra alternativa para o efetivo, ao menos temporária, seria uma espécie de operação delegada, na qual policiais federais de folga trabalhariam nas penitenciárias. O modelo já existe, segundo ele, na PRF (Polícia Rodoviária Federal).

Mas as dificuldades na esfera federal são alimentadas também nos superlotados sistemas penitenciários estaduais, que desafiam as possibilidades de controle, como mostrou a operação Mute, de 2023. A ação, coordenada pela Secretaria Nacional de Políticas Penais e realizada em 23 estados, recuperou, segundo Ferreira, cerca de 3.000 aparelhos celulares.

Para Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, é preciso repensar as formas de usar o sistema federal, que tem um papel estratégico também dentro das esferas estaduais. Ele sugere o emprego desses locais para um combate mais imediato a homicídios.

Na Paraíba, exemplifica, a pasta estadual de Segurança determinou que presos que fossem identificados como mandantes de assassinatos seriam enviados para o sistema federal. Após transferências realizadas como punição a quem deu ordens de dentro das prisões, ele lembra, a Paraíba teve uma redução importante de mortes.