PORTUGAL (FOLHAPRESS) – A livraria mais bonita do mundo fica em Portugal. Em que pese a subjetividade fatalmente envolvida nessa afirmação, o elogio à Lello, na cidade do Porto, se firma em bases seguras.

Eleições do jornal The Guardian, da revista Time, do guia Lonely Planet já consagraram a beleza do espaço; e uma votação massiva da plataforma One Thousand Libraries colocou a livraria no alto de seu pódio mundial em agosto do ano passado.

Não à toa o espaço atrai todo tipo de amante das letras. O espanhol Enrique Vila-Matas já se derramou de amores por lá em sua coluna do El País, e o cineasta americano Woody Allen também esteve ali discretamente.

Pediu por livros de Machado de Assis, um escritor de quem vinha ouvindo falar bastante, segundo conta o gerente Hugo Miguel Silva, que aproveitou para tirar uma foto com o diretor de 88 anos —mas não lembra qual dos livros do brasileiro ele acabou levando.

Nem só de estrelas vivem os dias da Lello. Estimadas 4.000 pessoas passam todos os dias pela livraria portuguesa, que não comporta tanta gente assim —é normal que a fila na porta esteja quilométrica.

Tantos visitantes tumultuavam o local só para fazer selfies sem comprar nada —compreensivelmente atraídos pelo estilo gótico do prédio construído em 1906 e pela escadaria acarpetada de um imponente vermelho— que há nove anos a Lello passou a cobrar entrada. São oito euros para ver a casa de dentro, descontáveis de qualquer livro que você levar.

É um belo cartão de visitas para um país que explora cada vez mais suas fartas opções de turismo para quem ama literatura.

Quem conhece bem Lisboa, por exemplo, já deve ter visitado a livraria Bertrand, propagandeada com a mais antiga do mundo e localizada perto de uma célebre estátua do pensativo poeta Fernando Pessoa. É possível que também já tenha ido ao charmoso Festival de Óbidos; ou conhecido o Convento de Mafra que inspirou a obra de José Saramago.

O que ainda permanece como uma região a ser explorada é o norte do país, que para além da cultura jovem e pujante da cidade do Porto, tem rotas inspiradas em alguns dos autores mais fascinantes da história portuguesa.

A menos de duas horas de carro dali, a Fundação Eça de Queiroz, em Santa Cruz do Douro, se ergue como museu pessoal do diplomata que escreveu “As Cidades e as Serras” —aliás, um romance inspirado justo naquela casa de campo.

Eça nunca chegou a morar ali na Casa de Tormes: recebeu-a de herança e reformou à distância enquanto morava na França, exercendo trabalho consular em Paris. Na verdade se estima que ele tenha ido apenas quatro vezes à acolhedora edificação portuguesa, com vista para um horizonte esverdeado de montes e pequenas comunidades locais.

É um espaço, portanto, não do homem, mas da ficção. Mas o efeito do local sobre o escritor cosmopolita foi tamanho que motivou uma das mais belas reflexões literárias sobre os benefícios da vida pacata em meio à natureza.

Os descendentes de Eça, esses sim, habitaram aquela casa por mais de um século —a última bisneta deixou de morar lá em 2015— e hoje é possível a qualquer um visitá-la por agendamento. Não só isso: dá para comer, no restaurante contíguo, a exata refeição na qual o protagonista Jacinto se refestela ao chegar à casa, um frango cozido à moda local com arroz de favas e azeite da serra.

À época em que a reportagem visitou a casa, em setembro do ano passado, Eça de Queiroz estava na boca do povo por causa de uma discussão ainda não pacificada —de forma a mobilizar mil pitacos engajados de radialistas, garçons e motoristas, um sinal do apreço do país por sua história literária.

Seis dos 22 herdeiros do autor de “Os Maias” e “O Primo Basílio” entraram na Justiça contra a decisão do governo de trasladar seus restos mortais para o Panteão Nacional, ao lado de grandes figuras da história de Portugal. Afirmam, entre outros argumentos, que é mais importante deixar o escritor descansar numa região com que tem laços afetivos.

De fato, leva-se poucos minutos de carro para chegar da Casa de Tormes até o cemitério que guarda o escritor. No caminho, era possível ver uma faixa estendida na rua com o manifesto “Eça é da nação, Santa Cruz do Douro é o seu panteão”.

E com alguma dificuldade —porque o túmulo não se adorna com grandes luxos— o repórter chegou ao local exato em que se lê: “Aqui descansa entre os seus José Maria Eça de Queiroz”. Entre os seus, depois de muito explorar o mundo —mas sabe-se lá por quanto tempo.

A poucas horas de carro dali, dorme outro dos grandes portugueses, Camilo Castelo Branco. A casa preservada na região de Vila Nova de Famalicão pertenceu originalmente a sua amante, que herdou do marido chifrudo em 1863, depois de o próprio autor ter cumprido pena pelo crime de adultério.

Aventuras românticas como essas renderam obras marcantes como “Amor de Perdição”, mas vieram acompanhados de angústia e sofrimento —o escritor, que completa seu bicentenário no próximo ano, se matou em 1890.

Totalmente refeita pelo governo em meados do século 20 e reformada para receber o público em 2022, a casa de três andares convida a um passeio que permite o vislumbre da escrivaninha onde Castelo Branco escrevia, o relógio cujo tique-taque ouvia, a cama em que dormia —e fazia outras coisas— e a frondosa árvore, em frente à entrada, que anotou como sua maior herança ao filho.

A poucos passos da casa, um amplo Centro de Estudos Camilianos, projetado com direito a auditório e espaço expositivo pelo maior arquiteto português vivo, Álvaro Siza Vieira, completa as reverências locais à memória do torturado romancista.

As literaturas do Brasil e de Portugal, ainda que separadas por um oceano, se aproximam em língua e trocam sensibilidades. Apesar disso, quem puder de fato saltar o mar para ver como os lusitanos celebram seus maiores escritores certamente terá boas inspirações de como tratar os nossos.

O jornalista viajou a convite da Visit Portugal.