SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após o aumento sem precedentes de ataques às escolas nos últimos dois anos, a maioria dos estados que registraram ocorrências afirma ter implantado reforços na segurança, além de cartilhas e protocolos. Poucos, porém, citam programas que envolvem a melhoria da convivência no ambiente educacional.

Desde 2001, o país registrou 36 ataques –a maioria (58,33%) se concentrou de fevereiro de 2022 a outubro do ano passado. A principal arma usada foi arma de fogo, seguida de faca e coquetel molotov. Em 17 ocorrências, os autores levaram mais de um tipo de armamento.

Os dados são apresentados no relatório “Ataques de Violência Extrema em Escolas no Brasil”, que foi desenvolvido pela pesquisadora da Unicamp Telma Vinha e outros oito especialistas na área.

Com base no estudo, a reportagem entrou em contato com as pastas de Educação e Segurança dos estados que registraram episódios de violência no período: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Ceará, Amazonas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná e Minas Gerais. O único que não respondeu foi Goiás.

O relatório não inclui o caso de Blumenau (SC), em que quatro crianças foram mortas a machadadas, porque o autor foi um homem que não tinha ligação com a instituição de ensino.

Vinha define que os trágicos episódios nas escolas são a ponta do iceberg dos problemas educacionais. “É uma ponta dolorida, mas uma ponta”, diz. Por isso, ela defende que não basta o reforço de segurança: é preciso pensar em políticas de convivência para o ambiente de ensino como um todo.

Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP, concorda. “Escola não é avião. Precisamos deixar isso claro”, afirma. Ele é relator de um documento que propõe 13 medidas para combater o ataque em escolas e foi publicado no site do MEC (Ministério da Educação) em novembro.

O educador coloca o investimento na segurança em terceiro lugar na ordem de ações prioritárias, depois da convivência do espaço escolar e, em segundo lugar, a atenção à saúde mental dos alunos.

No relatório conduzido por Vinha, é apontado que, em todos os ataques listados, os autores foram homens, motivados por discursos de ódio ou comunidades de violência extrema. O bullying é apontado como parte do problema, mas sozinho não é o suficiente para explicar o fenômeno.

“Diversos fatores associados produzem a ocorrência de um ataque. Tampouco a motivação dos ataques pode ser reduzida apenas a questões de saúde mental dos perpetradores, ainda que sejam um aspecto significativo”, diz o relatório.

Entre as medidas listadas pelos estados procurados pela reportagem, o reforço de rondas escolares, por exemplo, é citado em ao menos seis (SP, MG, CE, BA, AM e MS). Câmeras de seguranças são indicadas em quatro (SP, AM, MG e MS).

A presença do botão do pânico, para acionar a polícia, é citada por três (SP, RJ e MS). Já o aumento do corpo de psicólogos aparece entre as medidas adotadas por apenas dois (PR e ES).

Entre os estados com maiores números de ataques está São Paulo, que registrou seis episódios nos últimos dois anos. Entre as ações adotadas, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) destaca a instalação de botões de pânico e intensificação da ronda escolar.

Já a pasta de Educação diz haver a intenção de triplicar os chamados POCs (professores orientadores de convivência), que, entre outras ações, atuam na mediação de conflitos, adotam práticas restaurativas e apoiam o desenvolvimento de ações voltadas para a restauração de relações.

No Rio de Janeiro, que registrou quatro casos, a Secretaria da Polícia Militar cita que 4.400 profissionais foram capacitados a lidar com situações de emergência até a chegada da polícia na escola. Também houve a implementação do aplicativo Rede Escola, que agiliza o atendimento de emergência, afirma a gestão Cláudio Castro (PL).

A Secretaria de Educação possui um sistema para a comunicação de casos de ameaças, bullying, racismo, agressão e até furto. Em relação ao atendimento psicológico, a pasta indica que alunos devem ser encaminhados para o Caps (Centros de Atenção Psicossocial).

Dois ataques foram registrados no Espírito Santo no período analisado. O ocorrido em Aracruz foi o que teve mais repercussão: um adolescente de 16 anos invadiu e atirou contra estudantes e professores em duas escolas da cidade. Ao todo, quatro pessoas morreram e 12 ficaram feridas.

Procurada, a pasta da Educação cita entre as empreitadas a expansão da ação psicossocial com contratação de 225 profissionais, como psicólogos e assistentes sociais. Também foi promovida a formação em primeiros socorros. Já a Segurança Pública do governo Renato Casagrande (PSB) destaca o lançamento do Plano Estadual de Segurança Escolar.

Há medidas também no âmbito do governo federal. Em abril, a gestão Lula (PT) passou a investigar as redes sociais e apontar problemas de segurança nelas a partir da Operação Escola Segura, que realizou 388 buscas e apreensões e efetuou 401 prisões de suspeitos de planejar ataques em escolas.

Após as ações, foram registrados alguns avanços neste combate. No Twitter (atual X), por exemplo, uma comunidade que fazia apologia a crimes em escolas e assassinatos em série passou a ser banida a partir de maio. Isso não significa, porém, que essas conversas tenham sido eliminadas de vez ou que não tenham migrado para outras redes sociais.

A reportagem encontrou no TikTok, em abril, diversos usuários que glorificavam autores de ataques a escolas. “Empresas começaram a reprimir aquilo que já é visível. Mas não estão agindo nas interações que estão acontecendo agora”, alerta Cara.

O Ministério de Justiça e Segurança Pública, além do programa Operação Escola Segura, afirma que também desenvolveu De Boa na Rede, uma biblioteca virtual que ensina como os responsáveis podem acompanhar o que é acessado na internet pelos filhos.

A medida é vista com ressalvas por especialistas, que dizem que os pais não devem ser os únicos responsáveis pela educação digital dos filhos e, muitas vezes, desconhecem as ferramentas.

O Ministério da Educação afirma que, após o aumento dos ataques, mais de R$ 3 bilhões foram destinados a estados e municípios. Além disso, a pasta citou diversas ações que foram realizados, como diálogos formativos, seminário, curso de formação para a proteção do ambiente escolar.

Para Vinha, houve um esforço de todo o Brasil para evitar que o cenário de violência nas escolas piore, mas muitas ações implantadas já se mostraram ineficazes. Um exemplo são os cursos que educadores realizam de forma individual.

“As pessoas até mudam, mas não conseguem mudar o coletivo. As políticas boas ampliam a capacidade dos profissionais das escolas de lidarem com essas situações.”

Para além dos ataques às escolas, a pesquisadora indica ainda que, nos últimos anos, foi registrado aumento nos discursos de ódio nas redes sociais e nos casos de autolesão e ansiedade entre jovens. “Às vezes, isso não se transforma em um ataque, mas nós temos jovens em sofrimento. Isso é problema de todo mundo.”