SÃO PAULO, SP (FOLHARPESS) – Duas vereadoras e uma deputada estadual de São Paulo acionaram o MP-SP (Ministério Público de São Paulo) para solicitar abertura de investigação contra o Hospital São Camilo, que tem como diretriz não realizar procedimentos contraceptivos devido aos valores religiosos da instituição, que é confessional católica. Procurado, o hospital não se manifestou.

O direcionamento da instituição ganhou repercussão nesta semana após uma paciente que mora na cidade de SãoPaulo divulgar em redes sociais que, durante consulta, foi informada pelo médico não poderia fazer inserção de DIU (dispositivo intrauterino) no estabelecimento devido aos valores religiosos do local.

Nesta quarta-feira (24), a vereadora Silvia Ferrado (PSOL), da Bancada Feminista da Câmara Municipal, protocolou uma representação direcionada à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da Capital em que questiona a legalidade da conduta. O documento, assinado pela equipe jurídica do gabinete, sustenta que a diretriz do São Camilo é irregular, uma vez que a instituição presta serviços ao SUS (Sistema Único de Saúde) e deveria estar subordinada às regras do direito público.

“O Estado é o titular do serviço público de saúde, e portanto o particular, ao prestar o serviço sob concessão, está submetido as mesmas regras que administração pública na prestação dos serviços”, diz trecho da representação da vereadora. Além do DIU, vários métodos contraceptivos estão disponíveis no SUS, inclusive a laqueadura e a vasectomia, que são procedimentos cirúrgicos.

A Sociedade Beneficente São Camilo é mantenedora de três hospitais particulares na capital paulista, mas possui unidades em todo o país. São aproximadamente 40 hospitais, sendo que muitos deles atendem também pelo SUS. Há ainda hospitais públicos administrados pela entidade por meio de convênios com prefeituras e estados.

Procurada, a entidade afirma, em nota, que “em todas as unidades a diretriz é não realizar procedimentos contraceptivos em homens ou mulheres, exceto em casos de risco à saúde, em alinhamento ao que é preconizado às instituições confessionais católicas”.

A deputada estadual Andrea Werner (PSB) também acionou o MP com base em argumento semelhante ao apresentado pela Bancada Feminista. “Estamos encaminhando ofício ao MP do Consumidor para solicitar averiguação desta conduta, uma vez que a São Camilo, além de ser uma rede hospitalar que tem convênio com outros planos de saúde, também possui sua própria operadora de saúde e uma universidade”, diz, em nota.

A vereadora Luana Alves (PSOL) também enviou ofício cobrando investigação no órgão público. A parlamentar apresentou projeto de lei que visa garantir o acesso de mulheres a métodos contraceptivos, como o DIU, nas unidades de saúde públicas e privadas da cidade de São Paulo.

Advogados consultados pela Folha não entraram em consenso sobre a legalidade da diretriz do São Camilo. De um lado, há o argumento de que a postura não ofende o direito médico nem os princípios da bioética, e que instituições privadas podem se basear em valores religiosos para definir se oferecem ou não um procedimento.

Em contraponto, especialistas afirmam que o estabelecimento não poderia se negar a oferecer métodos contraceptivos, uma vez que atua dentro de marco constitucional que entende o planejamento familiar como garantia de direito à saúde.

Para a advogada Juliana Hasse, presidente da Comissão Direito Médico e Saúde da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil/seção São Paulo), o caráter filantrópico da entidade -e o fato de receber recursos públicos -cria uma lacuna que pode suscitar a judicialização.

“O acesso a métodos contraceptivos é parte integrante do direito à saúde, que é garantido pela Constituição Federal. Por ele [hospital] ter esse lado que envolve recurso público, pode haver algum conflito. E aí pode até ter que haver um posicionamento jurisprudencial, até um posicionamento do próprio judiciário para dirimir esse conflito”, disse Hasse à repotagem da Folha.

Procurado, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) afirma que hospitais particulares não têm obrigatoriedade de oferecer métodos contraceptivos, como o DIU, e que cada instituição possui protocolo próprio sobre o procedimento. “Além disso, este é um procedimento que pode ser realizado em consultório médico, de modo que nem todos os planos de saúde cobrem sua inserção e internação em hospitais”, afirma a entidade, em nota.