MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Os cinco países nórdicos aceleram velozmente para se tornarem a primeira região do planeta livre de carros a combustão e de seus gases que atormentam a vida nas cidades e contribuem para o efeito estufa e as mudanças climáticas.

A transição para a energia limpa no norte da Europa é puxada principalmente pela Noruega, país de 5,5 milhões de habitantes que adotou a primeira taxa sobre emissão de gás carbônicos já em 1991.

Pelos últimos dados da Agência Internacional de Energia, órgão ligado à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), 88% dos carros vendidos no país em 2022 foram elétricos ou híbridos. Considerando a frota nas ruas, 27% dos carros já funcionam com essa energia limpa.

A Noruega tem o plano de interromper vendas de carros poluentes em 2025 e aos poucos eliminar a frota remanescente pela próxima década.

Os outros dois países da península escandinava engataram marcha um pouco mais lenta, com a Suécia vendendo 54% de elétricos ou híbridos, e a Dinamarca, 39%. Os demais nórdicos seguem toada semelhante, com 70% de market share para os renováveis na Islândia e 38% na Finlândia.

O Brasil, segundo dados divulgados pela organização, vendeu 1% de elétricos e híbridos em 2022, e tem 0,1% de sua frota movida dessa forma.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, a analista de políticas para a OCDE Julia Wanjiru, que estudou profundamente o caso norueguês, cita as razões para que o país tenha chegado tão longe na transição energética. A primeira delas é o desejo do governo em fazer a transição e oferecer descontos nos impostos.

“Em primeiro lugar, a Noruega não tem indústria automobilística. Eles importam todos os carros. E a realidade hoje na Noruega é que é mais barato comprar um Golf elétrico do que um Golf a combustível. Mais carros recém-comprados são elétricos não porque são mais ecológicos, mas porque é mais barato”, disse Wanjiru.

“Além disso, você tem tantas outras vantagens, como redução de taxas de estacionamento. Eles têm muitas balsas na Noruega. Pois você paga metade do preço. Eles têm muitos pedágios. Você paga pedágios mais baratos quando é elétrico. Então, você tem muitos custos operacionais que ficam mais baratos quando você tem um carro elétrico. E tudo isso se torna muito atraente.”

No entanto, esse saco tem fundo, segundo estudo da OECD sobre a Noruega divulgado no ano passado. “O que dissemos nesse estudo é que, agora que tudo está muito bem estabelecido e você está aumentando o número de carros elétricos, o governo pode precisar reduzir os subsídios porque é muito caro ter todas essas receitas fiscais perdidas”, opinou a analista.

Outros países, porém, seguem buscando incentivos para os consumidores. Na Suécia, os moradores da capital Estocolmo serão impedidos de circular por todo o centro da cidade se estiverem no volante de um automóvel a combustão.

O mesmo acontecerá com as entregas, que deverão utilizar vans elétricas. A medida entrará em vigor no último dia deste ano. A partir de 2025, “todo mundo poderá respirar sem ficar doente”, postou o deputado Lars Strömgren. Ele celebrou a cidade com mais “lugares ao ar livre e muito espaço para andar a pé e de bicicleta”.

Já a Dinamarca, onde a venda do elétrico superou a do carro a combustão em 2021, quer um milhão de carros nas ruas até 2030 e, para isso, continua com sua política de mais impostos para esses últimos.

Segundo Julia Wanjiru, as especificidades dos países nórdicos trazem condições para o avanço da transição que não poderia simplesmente ser transplantadas para países como o Brasil.

“O Brasil é um caso totalmente diferente. Vocês têm um desafio enorme, em primeiro lugar, para implantar uma infraestrutura de carregamento que realmente torne atraente o uso de carros elétricos. Afinal, nem todo mundo tem em frente à sua casa um lugar onde você possa carregar. E a segunda barreira chave em economias emergentes é obviamente o preço, porque uma família comum jamais poderá comprar um carro por US$ 30 mil (R$ 150 mil) ou até mais.”

Questionada sobre quem deve pagar essa infraestrutura, se é o governo, a indústria automobilística ou as pessoas que têm carros elétricos, ela aponta para um mix, pendendo mais para a primeira opção.

“Na maioria dos países europeus, a infraestrutura está sendo subsidiada porque, se você apenas der para o setor privado, eles podem obter muito lucro dentro das cidades, mas nunca obterão se forem para qualquer área remota. Então, eu acho que é responsabilidade do governo. E isso significa comprometimento político com o Acordo de Paris.”

Nos últimos meses, Wanjiru tem estudado o caso do Egito, que traz alguns pontos de intersecção com o caso brasileiro, e outros bem diferentes. “Estou fazendo a Revisão da Política de Crescimento Verde do Egito. Eles também têm menos de 1% de carros elétricos nas ruas egípcias, uma situação semelhante à brasileira”, disse.

“Os egípcios estão tentando fabricar seus próprios carros elétricos localmente. Estabeleceram parcerias com a China, a Índia, e estão tentando desenvolver a indústria automobilística no país. E isso poderia se tornar um divisor de águas real”, acredita Wanjiru.

Por lá, no entanto, há um problema de fundo que afeta a redução das emissões: o fato de que a eletricidade no país é gerada por fontes extremamente poluentes. Em 2022, apenas 11% dessa eletricidade veio de fontes renováveis, enquanto 89% dela foi produzida a partir de óleo e gás fósseis.

Desta forma, diz a analista, “o país não está necessariamente se tornando mais amigável ao ambiente. Se a eletricidade por trás ainda for suja, você na verdade não economiza carbono em termos de emissões de gases de efeito estufa, certo?”

O Brasil, por outro lado, não tem esse problema. Dados de 2022 indicam que 83% das fontes para gerar eletricidade são renováveis, com cerca de 63% vindo de hidrelétricas.