SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Efeito colateral do aumento dos lançamentos de edifícios residenciais, o número de multas aplicadas pelo uso irregular de caçambas de entulho da construção civil disparou na cidade de São Paulo no ano passado.

Foram 36 casos em 2022, contra 134 em 2023 –um crescimento de 272%, segundo dados da prefeitura. O número é também o mais alto desde 2017, quando a legislação que regula o tema foi alterada.

A ocupação de vias públicas para a execução de obras segue a legislação de trânsito, mas também tem normas próprias para garantir a passagem segura de pedestres e fruição do tráfego de veículos. Regras que moradores de áreas com elevada produção imobiliária dizem que nem sempre são cumpridas.

É o caso do bairro Perdizes, na zona oeste de São Paulo. Com regras de zoneamento que dão incentivos financeiros para a construção de grandes edifícios e infraestrutura de serviços atraente para compradores de imóveis de alto padrão, a região passa por uma onda de verticalização.

Num trecho da estreita rua Bartira com prédios recentemente concluídos e outros em construção, o professor de fotografia Ivan Bismara, 67, contornava pelo asfalto a caçamba de entulho que estava junto à guia no início de abril. A passagem pela calçada havia sido bloqueada por areia de construção. “Agora só tem essa areia, que não é quase nada para quem ficou um ano sem calçada por causa dessa obra”, reclama.

No mesmo bairro, na rua Iperoig, a empresas que fazia a reforma da calçada de um condomínio residencial em construção reservou aos pedestres uma faixa do asfalto, sinalizada por cones e fitas, mas quatro caçambas enfileiradas no local dificultavam a passagem e obrigavam pedestres a disputarem espaço com carros.

Quando a execução de uma obra requer o bloqueio da passagem de pedestres, algo comum para a instalação de andaimes ou a própria reforma do calçamento, é responsabilidade do empreendimento obter autorização do órgão de trânsito para a liberação de caminho alternativo aos pedestres, diz Luiz Bueno, coordenador de tecnologia e qualidade do SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo).

Cones, cavaletes e fitas de sinalização autorizadas pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) devem ser utilizados para dar segurança a transeuntes deslocados para a faixa dos carros, explica o especialista.

Dados da CET indicam que as requisições de autorização para caçambas caíram 91% de 2022 para 2023 -de 98 para 7. Se comparado com o crescimento das multas no mesmo intervalo, o dado pode indicar que empresas estão deixando de pedir a autorização ao órgão de trânsito. Bueno considera, porém, que há outras explicações para isso.

Ele afirma que as construtoras cada vez mais procuram reservar espaços dentro dos canteiros de obra para evitar a interrupção do trânsito, já que a autorização para esse tipo de intervenção é burocrática e pode causar atrasos na construção. “É uma questão de custo, atrasos deixam a obra mais cara.”

A reportagem informou a prefeitura sobre os dois casos observados pela reportagem. Em resposta, a gestão Ricardo Nunes (MDB) disse que a “Subprefeitura da Lapa vistoriou as ruas Bartira e Iperoig e autuou os responsáveis pelas obras por não manterem o logradouro público devidamente limpo.”

As caçambas instaladas na rua também não tinham autorização da CET e a equipe da subprefeitura fará uma nova vistoria no local, informou. Ambos os endereços possuem alvará de execução.

A Construtora TF Engenharia, responsável pela obra na rua Iperoig, disse possuir todas as licenças da prefeitura e CET para execução dos trabalhos e utilização de caçambas na via pública. A empresa diz que está construindo a calçada do empreendimento e que a passagem de pedestres é realizada pela rua, com auxílio de cones e fitas de proteção, até a liberação da calçada prevista para a próxima segunda-feira (22).

Quanto à obra na rua Bartira, a SM3 Engenharia informou que a calçada estava em reforma e que o cone posicionado na rua era para dar segurança à passagem de pedestres.

Posteriormente, segundo a construtora, moradores pediram manutenção da sinalização da rua para alertar motoristas sobre a presença de um buraco no asfalto. “Lamentamos qualquer transtorno”, diz a nota da construtora.

Explosão de novos condomínios

A cidade de São Paulo observará uma explosão de novos condomínios residenciais verticais em 2024, segundo projeções do mercado. Serão 790 novos empreendimentos em prédios e 28 em construções horizontais (conjuntos de casas) –totalizando 818– recebendo ocupantes neste ano, aponta pesquisa da administradora condominial Lello com 250 incorporadores imobiliários.

A disparada nas entregas reflete o represamento de lançamentos, atraso nas construções por falta de mão de obra e redução no ritmo de vendas provocados pela pandemia, segundo a Lello. Em condições normais, o intervalo entre o lançamento e a constituição do condomínio varia de 20 a 30 meses.

Os condomínios constituídos neste ano, portanto, indicam um forte aquecimento da construção civil no município após a pandemia.

Situação impulsionada, principalmente, pelo cenário de queda na taxa básica de juros (Selic) entre meados do ano passado e o primeiro trimestre deste ano, cedendo de 11,75% a 10,75% ao ano. Apesar da redução de apenas um ponto percentual, sinais de retração no custo dos financiamentos tendem a ter forte efeito nesse mercado.

Existem outras questões para a expansão imobiliária paulistana, como a retomada pós-pandemia e, possivelmente, efeitos mais contundentes do Plano Diretor de 2014 e da Lei de Zoneamento de 2016, que estimulam a construção de prédios próximos a corredores de ônibus e estações de trem e metrô.

O resultado desse adensamento de construções, porém, ainda não resultou no aumento de moradores nessas regiões, conforme mostrou análise da Folha com base em dados do Censo 2022 do IBGE.