BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A redução da concentração de poder político nas mãos de elites locais exerce papel relevante para impulsionar o desenvolvimento econômico de longo prazo, aponta um estudo realizado com base em dados históricos de municípios brasileiros.

Cidades antes dominadas por uma ou mais dinastias familiares e que eram mais pobres na década de 1940 chegaram aos anos 2000 com um desempenho econômico e social melhor do que municípios de perfil semelhante, mas onde a disputa local já era mais pulverizada.

A virada está diretamente relacionada a mudanças que enfraqueceram oligopólios políticos, alteraram o equilíbrio de forças e ampliaram a competição no plano eleitoral.

Segundo os autores, essas transformações melhoraram a governança local e, consequentemente, os indicadores de renda per capita, mortalidade infantil e alfabetização.

A pesquisa foi conduzida pelos pesquisadores Claudio Ferraz, professor da Universidade da Colúmbia Britânica e da PUC-Rio, Frederico Finan, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Monica Martinez-Bravo, professora do Centro de Estudos Monetários e Financeiros em Madrid (Espanha).

Em um contexto em que dinastias familiares ainda exercem grande poder de influência em regiões do Brasil, o estudo traz evidências de como os municípios e seus cidadãos tendem a permanecer mais pobres quando os mesmos grupos dominam a cena política local.

Ferraz explica que, sob o domínio de uma ou poucas famílias, a concorrência política fica bastante reduzida, uma vez que seus descendentes podem usar o capital político do clã para serem eleitos, em detrimento de uma disputa baseada em características ou habilidades –o que gera uma “concorrência desleal”.

“A segunda questão é que, dentro da família, está selecionando [o candidato] em um universo de qualidade muito menor. É um entre cinco pessoas, por exemplo, não na sociedade como um todo. Na média, vai ser muito pior”, diz.

Para dar sustentação aos argumentos, o grupo partiu de um levantamento de nomes de prefeitos que comandaram municípios brasileiros entre os anos 1940 e 2000.

Em meio à dificuldade de resgatar registros mais antigos, sobretudo em cidades menores, os economistas conseguiram completar as informações para três estados brasileiros: Ceará, Minas Gerais e Paraíba.

O passo seguinte foi mapear as dinastias locais, a partir do sobrenome familiar, e o grau de domínio ou alternância em cada município no período pré-ditadura.

As informações foram cruzadas com dados socioeconômicos das respectivas cidades. O esforço de conclusão do trabalho foi realizado ao longo de uma década.

“Quando a gente começou o trabalho, a hipótese era a persistência. Lugares que lá atrás, nos anos 1940-1950, tinham muita concentração de poder político seriam lugares em que a gente continuaria vendo coronelismo local, concentração e, consequentemente, menor desenvolvimento econômico”, afirma Ferraz.

“A grande surpresa é que a gente não encontrou isso. Em vários desses lugares com muita concentração, apesar de serem mais pobres inicialmente, no longo prazo tivemos uma reversão. Eles se tornaram mais ricos”, diz.

A explicação para a virada vem de reformas promovidas pela ditadura militar. No artigo, os pesquisadores ressaltam que não se trata de caracterizar como positivo um período marcado por casos de corrupção, tortura e cerceamento de direitos, mas de discutir fatores que explicam a transformação política e econômica dos municípios.

O governo militar manteve a realização de eleições municipais, no que é classificado pelos autores como uma tentativa de sustentar uma “aparência democrática”, mas mexeu nas estruturas locais a partir de reformas.

O interesse primário não era ampliar a concorrência, mas sim alçar ao comando das prefeituras nomes de confiança dos militares e enfraquecer famílias tradicionais. Isso facilitaria a imposição da política de desenvolvimento nacional –com substituição de importações e modernização da agricultura–, que enfrentava a resistência dos “coronéis”, especialmente em municípios rurais e mais pobres.

No sistema bipartidário, formado apenas por Arena (pró-governo militar) e MDB (oposição), permitir a candidatura de representantes dessas famílias em uma chapa da oposição trazia grande risco de derrota para o candidato da ditadura, uma vez que os grupos locais ainda exerciam grande influência na cena política.

Para driblar esse obstáculo, os militares lançaram um sistema de sublegenda, que permitia mais de um candidato por partido. O mais votado dentro da sigla vencedora virava prefeito.

Nesse desenho, membros da elite local disputaram eleições sob o guarda-chuva da Arena, o que diluiu sua força política e abriu caminho para a maior competição.

“O sistema de sublegendas promoveu a competição intrapartidária, e sem querer isso aumentou a concorrência política, permitindo a entrada de novos jogadores. A gente argumenta que foi sem querer, foi um produto indireto”, afirma Ferraz.

Embora o sistema de sublegendas tenha vigorado no plano nacional, os pesquisadores encontraram evidências de que ele foi mais intensamente empregado em municípios que eram inicialmente mais concentrados politicamente.

No estudo, os economistas buscaram estabelecer uma medida de reeleição das famílias. No período pré-ditadura, a probabilidade de o mesmo clã estar no poder era alta em locais onde havia maior concentração.

Para certificar que a mudança institucional promovida pelo regime militar é uma explicação consistente para o resultado de maior desenvolvimento econômico, os pesquisadores empregaram uma metodologia que compara a trajetória de municípios com características socioeconômicas semelhantes em 1940, mas que tinham graus distintos de concentração política.

“[Analisamos] Lugares que tinham trajetórias de taxa de alfabetização parecidas. Só quando o regime político muda é que, nos lugares onde [o poder político] era mais concentrado, aumenta a taxa em relação ao [município] que não era concentrado”, afirma Ferraz.

Segundo ele, esses resultados também foram encontrados para renda, salários na agricultura e valor das fazendas (medidas aproximadas da atividade agrícola local).

Na avaliação do pesquisador, compreender como mudanças institucionais podem afetar a competição política e aprimorar a entrega de serviços públicos permanece sendo uma agenda relevante, embora ainda haja terrenos inexplorados, como o domínio exercido por essas famílias também sobre o Congresso.