SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um avião cruza o céu já nos primeiros segundos de “Mamonas Assassinas: O Filme”. É como um presságio, um lembrete de que aquela história, por mais bem-humorada e otimista que seja, tem o final trágico que em 1996 fez milhões de brasileiros chorarem a morte de uma das bandas mais irreverentes do país.

Mas não é só isso que a aeronave carrega. Ela faz uma ponte entre o passado e o futuro dos Mamonas Assassinas, da origem sem “money, que é good”, no bolso, ao estrelato em questão de meses.

“A imagem do avião estava presente na vida, no cotidiano deles, não só na tragédia. Eles eram de Guarulhos, a cidade dos aviões, que passam sobre a sua cabeça toda hora, e o Samuel era apaixonado por eles, então tínhamos que pontuar isso”, diz Walkiria Barbosa, produtora que vê o filme como um projeto dos sonhos.

As gravações, ela conta, foram especialmente difíceis, já que aconteceram na cidade paulista que é lar do principal aeroporto do país e de onde vinha o conjunto formado por Dinho, Júlio Rasec, Bento Hinoto, Samuel Reoli e Sérgio Reoli. Com o barulho onipresente das aeronaves, as cenas externas com frequência tinham que ser regravadas.

Motivo de orgulho para os integrantes, Guarulhos era o destino do avião que os transportava em março de 1996, após uma apresentação em Brasília. A aeronave se chocou contra a Serra da Cantareira, matando todos a bordo apenas sete meses depois do lançamento de seu disco de estreia.

Dirigido por Edson Spinello, o filme que chega aos cinemas na próxima semana não precisou fazer um recorte temporal muito específico, de tão breve que foi a trajetória dos Mamonas Assassinas. A trama começa às vésperas da formação do grupo e vai até seu fim.

Quando passou pela feira de cultura pop CCXP, a Comic Con Experience, no começo do mês, o filme causou comoção, e seu elenco fez as arquibancadas de um dos auditórios tremerem, enquanto cantava e urgia o público a dançar o “Vira-Vira”, mostrando a força daquelas canções mesmo 27 anos depois.

“Eles falavam de temas muito importantes na época. Foram precursores ao abordar temas sensíveis de forma delicada, leve, divertida e ousada. O que fizeram é insuperável”, diz Barbosa, que também é diretora do Festival de Cinema do Rio, sobre o apelo depois de tantos anos. Fã dos Mamonas, ela desconhecia o lado mais humano do quinteto, e tomou como missão levá-lo às telas.

Para isso, a produção teve ajuda dos familiares, que forneceram material de arquivo e, claro, suas próprias lembranças como matéria-prima para o roteiro, assinado por Carlos Lombardi. O elenco também conviveu intensamente com os parentes, numa busca para preencher as lacunas menos públicas da vida dos Mamonas.

Barbosa, porém, reitera que teve liberdade total e que nunca recebeu imposições das famílias –o filme, no entanto, não deixa de adotar um tom de homenagem, elogioso. Não há, por exemplo, uma problematização de letras como “Pelados em Santos”, “Jumento Celestino” e “Uma Arlinda Mulher”.

Seria curioso pensar se a banda alcançaria o mesmo sucesso hoje, em tempos de politicamente correto e de cultura do cancelamento. Se por um lado foi precursora ao denunciar a homofobia em “Robocop Gay”, por outro o fazia com tom jocoso e tiradas ácidas que, na superficialidade das discussões de redes sociais, poderiam não soar bem.

Os Mamonas adotavam, com frequência, o lado do oprimido em suas canções –”abra sua mente/ gay também é gente”, cantavam–, mas sempre de forma escrachada –o backing vocal, na mesma canção, dizia querer chupar a tal pistola de plástico que o Robocop Gay empunhava.

“Arte tem que ser livre”, afirma Barbosa, semanas depois de o diretor Edson Spinello, no palco da CCXP, afirmar que “eles eram politicamente incorretos, e o mundo vive um momento em que precisa refletir sobre isso”.

Intérprete do vocalista Dinho, Ruy Brissac não acha que a ameaça de cancelamento que assombra artistas hoje teria sido um empecilho para o sucesso. Ele diz ver, com facilidade, a banda bombando no TikTok com as brincadeiras, dancinhas e figurinos caricatos que marcaram seus shows.

“Eles são atemporais. Teriam se renovado e estourado”, diz o ator, que tinha seis anos quando a banda estava no auge. “Hoje eles são como uma herança familiar. Os pais mostram para os filhos e, assim, eles são passados de geração em geração.”

Escolher o elenco para o filme não foi fácil. Apenas o papel de Dinho foi preenchido com certa facilidade, já que Brissac havia interpretado o vocalista no teatro, num musical sobre a banda.

Mesmo assim, fez testes, e mais tarde se juntaram a ele os atores Rhener Freita, Adriano Tunes e Robson Lima, todos com conhecimento de música e dos instrumentos que empunhariam em cena –um disco com as versões do filme deve ser lançado em breve, de acordo com a produtora. Beto Hinoto, sobrinho do integrante Bento Hinoto, fechou o quinteto.

“Mamonas Assassinas: O Filme” se junta a uma safra volumosa de produções que tentam fazer sucesso biografando personagens queridos da cultura brasileira. Neste ano, alguns dos melhores resultados de bilheteria para o cinema nacional –comedidos, num momento delicado, vale dizer– foram obras do gênero, que falaram da vida de Mussum, Gal Costa e da dupla Claudinho e Buchecha.

Embarca, ainda, na onda da nostalgia que tomou o cinema mundial. No caso dos Mamonas, a intenção é levar o longa também para a Argentina, onde distribuidores já demonstraram interesse, e para Portugal, país para o qual embarcariam no dia seguinte ao acidente aéreo.

“É um filme que acessa a memória das pessoas. Nas sessões que fizemos até agora, várias vieram falar com a gente sobre a saudade que sentem da banda. Há muitos pais com os filhos, crianças mesmo”, diz Brissac. “Eles seguem muito vivos no coração das pessoas.”

MAMONAS ASSASSINAS: O FILME

– Quando Estreia no dia 28 de dezembro nos cinemas

– Classificação 12 anos

– Elenco Ruy Brissac, Beto Hinoto e Robson Lima

– Produção Brasil, 2023

– Direção Edson Spinello