SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um funcionário é acusado de ter sequestrado uma mulher. Outro, de distribuir munição. Um terceiro, de participar de um massacre em um kibutz que deixou 97 mortos.

Todos eles seriam funcionários da agência da ONU que abriga, alimenta e é responsável por prover educação a centenas de milhares de palestinos na Faixa de Gaza.

As acusações constam em um dossiê entregue ao governo dos Estados Unidos que detalha as acusações de Israel contra 12 funcionários da UNRWA -braço da ONU para refugiados palestinos-, que, segundo os documentos, envolveram-se nos ataques do 7 de outubro.

Desses, 11 seriam membros do Hamas ou do Jihad Islâmico, enquanto um não teria vínculos com nenhum dos grupos, mas teria participado da incursão de 7 de outubro que deixou 1.200 mortos em Israel e disparou a atual guerra em Gaza. Ainda segundo o documento, 2 dos 12 funcionários estariam mortos.

Além disso, um funcionário do governo israelense afirmou à agência de notícias Reuters que 190 trabalhadores mencionados no dossiê são agentes duplos do Hamas ou do Jihad Islâmico, enquanto 10% do total de 13 mil funcionários empregados pela UNRWA teriam vínculos menos diretos com os grupos.

A ONU informou na última sexta-feira (26) que demitiu vários funcionários após receber a denúncia israelense. A notícia levou dez países, incluindo os EUA, a anunciarem a suspensão de ajuda financeira à UNRWA.

A medida arrisca, porém, agravar ainda mais a crise humanitária em Gaza. Segundo autoridades de saúde locais, ligadas ao Hamas, quase 27 mil pessoas morreram no território em decorrência da ofensiva israelense. Além disso, de acordo com cálculos da própria ONU, quase 2 milhões foram forçadas a se deslocar desde o início dos enfrentamentos -algo em torno de 85% do total de habitantes da faixa.

No domingo (28), o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse estar horrorizado com acusações. Ao mesmo tempo, implorou às nações que haviam suspendido o financiamento para a agência que reconsiderassem sua decisão.

Depois, na segunda (29), a UNRWA afirmou que, se o fluxo de dinheiro não fosse retomado, só conseguiria manter suas operações em Gaza e nos outros locais em que atua –Cisjordânia, Jordânia, Síria e Líbano-, até o fim de fevereiro.

Newsletter Lá fora Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo *** No arquivo entregue aos EUA, membros da inteligência israelense dizem ter descoberto os movimentos de 6 dos 12 homens dentro de Israel no 7 de outubro após localizarem seus aparelhos telefônicos. Outros, que tinham tido seus telefones grampeados, teriam discutido seu envolvimento no ataque do Hamas em ligações telefônicas ouvidas por Tel Aviv.

Por fim, prossegue o texto, três receberam mensagens de texto que exigiam que eles se apresentassem em determinados pontos de encontro no 7 de outubro os instruíam a levar granadas propelidas por foguetes que teriam guardado em suas residências.

Sete dos acusados eram professores em escolas da UNRWA, responsáveis por ensinar matemática e árabe aos alunos. Outros dois trabalhavam nas instituições em outras funções.

Os três restantes foram descritos, respectivamente, como um funcionário administrativo, um assistente social e um gerente de depósito. As acusações mais detalhadas no dossiê se referiam a um conselheiro escolar de Khan Younis, no sul de Gaza, que supostamente ajudou seu filho a sequestrar uma mulher israelense.

Além disso, um assistente social de Nuseirat, campo de refugiados no centro de Gaza, é acusado de ajudar a trazer o corpo de um soldado israelense morto para a faixa, além de distribuir munição e coordenar veículos no dia do ataque.

As acusações de Israel contra a UNRWA ocorrem em meio a décadas de atritos com a agência, que cuida de famílias daqueles que fugiram ou foram expulsos do território conhecido como Palestina durante as guerras que envolveram a criação do estado de Israel, entre 1948 e 1949. Na época, cerca de 700 mil palestinos deixaram a região, em um processo que alguns cunham nakba, palavra em árabe para “catástrofe” ou “desastre”.

A UNRWA é um dos maiores empregadores de Gaza, e fornece ajuda vital a mais de 5 milhões de refugiados palestinos que, espalhados pelo Oriente Médio, jamais tiveram futuro e status definidos apesar de anos de negociações.

Para os críticos da agência, incluindo muitos israelenses, ela é um obstáculo à resolução do conflito; sua própria existência, eles argumentam, impede que os refugiados palestinos se integrem a novas comunidades e alimenta sonhos de um dia retornem a um território que hoje pertence à Israel. Há ainda quem acuse a UNRWA de ser influenciada pelo Hamas, o que a agência rejeita.