SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – O desastre ambiental que espalhou rejeitos de mineração pelo município de Brumadinho (MG), além de matar centenas de pessoas em janeiro de 2019, também afeta até hoje a saúde das crianças da região, sugere um novo estudo. O risco de que a população infantil da área afetada apresente queixas sobre alergias respiratórias é três vezes maior do que entre crianças de uma área vizinha que não sofreu efeitos do desastre.

O trabalho sobre o tema foi publicado no periódico especializado Cadernos de Saúde Pública por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). No estudo, coordenado por Renan Duarte dos Santos Saraiva, a equipe avaliou 217 crianças do município mineiro, com idades entre 0 e 6 anos.

Desse total, 119 crianças viviam em comunidades diretamente afetadas pelo desastre (denominadas Córrego do Feijão, Parque da Cachoeira e Tejuco), enquanto o restante delas vinha da comunidade de Aranha, não exposta aos efeitos de longo prazo da tragédia.

As três primeiras áreas têm residências num raio de até 1,5 km do trajeto percorrido pela lama vinda da barragem de mineração que se rompeu no desastre. Já a comunidade não afetada fica a 10 km da onda de rejeitos. A análise acontece no âmbito do Projeto Bruminha, que está avaliando os impactos da situação sobre a saúde infantil durante quatro anos (entre 2021 e 2024). “É um trabalho solicitado pelo Ministério da Saúde como parte do monitoramento de médio e longo prazo da população afetada”, explicou Renan Saraiva à Folha.

“A nossa hipótese inicial era que a exposição à poeira seria um fator de agravamento do quadro respiratório”, conta ele. “A literatura científica já aponta que crianças são mais sensíveis a essas situações porque, proporcionalmente, inalam um maior volume de ar em relação ao tamanho do corpo. Além disso, nessa fase da vida o sistema respiratório ainda está em desenvolvimento e maturação, e o organismo tem menor capacidade de se desintoxicar diante de agentes químicos, tornando esse grupo mais vulnerável mesmo diante de pequenas doses de poluentes.”

O pesquisador ressalta que os dados não foram obtidos por meio de diagnósticos feitos por profissionais de saúde. O que a equipe fez foi aplicar questionários às famílias das quatro comunidades, com perguntas sobre as condições de vida nessas áreas, efeitos trazidos pela remediação do desastre e a continuidade da mineração (necessidade constante de faxina nas casas, mais veículos trafegando etc.) e o estado de saúde das crianças.

“Não posso afirmar diretamente que aumentou o adoecimento das crianças. Essa é uma limitação da metodologia do estudo”, diz ele. Mesmo assim, os métodos estatísticos usados para analisar as respostas ao questionário indicam uma diferença considerável entre a população mais exposta aos rejeitos da barragem e a que está mais distante desses efeitos.

Em números brutos, os relatos sobre alergia respiratória foram 1,5 vez mais comuns nas comunidades afetadas. Levando em conta outros fatores, como sexo, faixa etária e condições ambientais de cada lugar, que sofisticam a análise estatística dos dados, a equipe concluiu que a chance de aparecimento desse problema é três vezes maior na população infantil considerada afetada.

“Não fizemos uma análise química da composição da poeira da mineração, mas é possível que a simples presença aumentada das partículas no ar, independentemente da sua composição, seja capaz de produzir esse tipo de efeito”, diz o pesquisador.