SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lucas Correa, 22, tentou ser policial militar em Tocantins. Passou em duas fases do concurso público, mas esbarrou em teste físico que incluía natação. Ele não sabia nadar.

Agora promete que isso não vai se repetir.

“Eu começo a estudar às 5h. Vou até à noite, quando tem a parte física. A carreira de músico no Maranhão é muito difícil. É preciso batalhar”, afirma Correa, que estuda licenciatura em música na Universidade Federal do Maranhão e toca trombone tenor.

A meta é passar no concurso da Marinha para o curso de formação de sargentos músicos do corpo de fuzileiros navais e deixar Paço do Lumiar, cidade onde mora a 20 km de São Luís. O edital foi publicado no final de fevereiro e as inscrições serão abertas em 3 de abril.

É o mesmo plano de Danielli Anacleto, 19. Ela trabalha o dia inteiro como secretária em empresa de autoelétrica. Estuda todo o tempo livre o trombone de vara, instrumento musical que é especialista. À noite, sai pelas ruas de Laguna, a 130 km de Florianópolis, em Santa Catarina, para se preparar para a prova física.

“Eu acordo às 4h30 para correr. Vou entrar na natação. Depois estudo a parte teórica. Quando a gente quer mudar de vida, tem de ser disciplinado”, afirma Marina de Oliveira, 19, acreditando que a tuba pode tirá-la de Indiaroba, a 100 km de Aracaju, no Sergipe, e levá-la para o Rio de Janeiro, onde acontece o curso.

A realidade deles é a mesma de outras pessoas que almejam passar no concurso. É a chance de seguir a vida de músico, mas com estabilidade financeira que, reconhecem, dificilmente teriam na realidade atual. Os três tocam em bandas em suas cidades e, quando recebem alguma remuneração, é irrisória.

“Faço parte da Banda do Sesc e da Banda Sinfônica Tomás de Aquino Leite. Às vezes aparece algum dinheiro por apresentação, mas é dividido entre todos os integrantes. Quase nunca sobra porque precisamos pagar os custos”, diz Lucas.

Serão oferecidas 15 vagas, sendo uma para candidato preto ou candidata preta. No edital, estão as obrigações comuns a concursos brasileiros das forças armadas: a obrigação de ter “dedicação e fidelidade à pátria, cuja honra, integridade e instituições devem ser defendidas mesmo com o sacrifício da própria vida.”

Isso faz com que amigos dos candidatos costumem fazer brincadeiras, perguntando se estão prontos para ir à guerra.

Um grande atrativo é a remuneração. Durante o curso, cada aprovado vai receber R$ 1.414,82. Após a formação, o valor salta para R$ 5.125,50. Quando receberem a patente de sargento, começam a ter soldo de R$ 6.387,75.

“A estabilidade financeira me chama muito a atenção porque conseguir isso na música é complicado”, constata Danielli.

“O que me motiva é a música e a estabilidade financeira. É uma carreira muito desvalorizada”, concorda Marina.

Para Lucas, seria um sonho. Uma mudança de vida considerável para quem várias vezes recebeu dinheiro da mãe para pagar a passagem para ir a São Luis estudar. Trocados que seriam usados para ajudar a pagar a alimentação em casa.

“Ela sempre me dizia que o estudo era mais importante e daria um jeito”, lembra ele.

O concurso será constituído, segundo o edital, de duas provas escritas. Uma de teoria musical e redação sobre “um tema de importância nacional” ainda a ser definido. Os aprovados farão teste prático de música. Quem passar, será submetido a exame médico e avaliação física.

As metas são diferentes de acordo com gênero. Homens terão de nadar 50 metros em no máximo 90 segundos, correr 3,2 km em até 19min30s e fazer 30 abdominais. Para as mulheres, o tempo na natação será de 2min20s, na corrida foi estipulado 21min30s e serão 26 abdominais. Todos estarão obrigados também de realizar três flexões na barra e dez no solo.

São exigências da vida militar, não normalmente essenciais para quem vai fazer parte de uma banda. Não que seja isso como problema, pelo menos por enquanto.

“Quero ser militar desde os 15 anos. Na minha banda, tinha um músico que hoje está na Marinha. Consegue juntar os benefícios das duas coisas: tocar e ser militar”, lembra Danielli, que integra a Sociedade Musical União dos Artistas, em sua cidade.

Nota publicada no site da Marinha menciona apresentação da banda marcial no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em que foi executado um “repertório eclético”: a 5ª sinfonia de Beethoven; Aquarela do Brasil, de Ary Barroso; e “Hero”, canção da cantora americana Mariah Carey.

“A chance morar no Rio é um bônus também porque lá tem conservatórios, cursos na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)… Há a estabilidade financeira, que pesa muito”, constata Lucas Correa.

E pouco importa que ainda seja preciso passar no concurso para ter a carreira nas forças armadas. Para mães dos candidatos, é o momento de aproveitar o lado da disciplina.

“Todo dia eu escuto: ‘arruma esse quarto agora! Acha que vai ter moleza na Marinha?’”, diz Marina.

O concurso limita a idade dos candidatos de 18 a 25 anos. Todos e todas devem ter entre 1,54 e 2 metros de altura. A Folha de S.Paulo questionou a Marinha os motivos para as restrições, mas não obteve resposta.