(crédito: Szabo Viktor/Unsplash)

Quando vira um hábito, o assalto à geladeira no fim da noite pode causar mais do que indigestão. De obesidade a câncer, passando por depressão e ansiedade, estudos recentes destacam os prejuízos da alimentação tardia à saúde. Alterações hormonais e no metabolismo podem ser observados, inclusive, em curto prazo, segundo uma pesquisa norte-americana que simulou, em ambiente controlado, o atraso de quatro horas na última refeição do dia.

Os pesquisadores, do Brigham and Women’s Hospital, em Boston, resolveram estudar os efeitos simultâneos da alimentação tardia na regulação da ingestão de calorias, na eficiência da queima calórica e nas alterações moleculares no tecido adiposo. Esses três fatores têm relação com a regulação do peso corporal e, portanto, estão associados ao risco de obesidade. O resultado, publicado na revista Cell Metabolism, descobriu que tudo isso é afetado quando se come muito além do horário normal.

“Descobrimos que comer quatro horas depois faz uma diferença significativa em nossos níveis de fome, na maneira como queimamos calorias após as refeições e na forma como armazenamos gordura”, conta Nina Vujovic, pesquisadora do Programa de Cronobiologia Médica da Divisão de Sono e Distúrbios Circadianos de Brigham. “Pesquisas anteriores mostraram que a alimentação tardia está associada a aumento do risco de obesidade, da gordura corporal e prejuízo à perda de peso. Queríamos entender o porquê.”

Segundo Vujovic, no estudo, os pesquisadores se perguntaram: “O tempo em que comemos importa quando todo o resto é mantido?”. A pesquisa, com 16 pacientes na faixa de sobrepeso ou obesidade, mostrou que, mesmo sem alterar em nada a alimentação — o que foi controlado, pois os participantes passaram o período de teste no laboratório —, a refeição tardia teve efeitos profundos na fome e nos hormônios reguladores do apetite — leptina e grelina —, que influenciam o desejo de comer.

Especificamente, os níveis do hormônio leptina, que sinaliza saciedade, diminuíram ao longo das 24 horas, em comparação a quando os participantes se alimentaram no horário habitual. Quando comeram mais tarde, os voluntários também queimaram calorias em um ritmo mais lento.

Além disso, exames mostraram que o tecido adiposo recebeu sinalização para aumentar a produção de gordura. “Notavelmente, as descobertas indicam os mecanismos fisiológicos e moleculares que associam a alimentação tardia e aumento do risco de obesidade”, afirma Vujovic.

“À noite, temos liberação de alguns hormônios, como a melatonina e o cortisol, e a alimentação influencia nesse processo. Na digestão, há liberação de enzimas, e tudo isso muda muito dependendo do horário”, explica o médico Hugo Gatto, pós-graduado em nutrologia e medicina do esporte.

“Quando fazemos uma alimentação diurna, permitimos que o corpo tenha um melhor resultado no emagrecimento e na liberação de insulina, por exemplo. Isso não quer dizer que não tem de comer à noite, mas não deixar para perto da hora de dormir e fazer refeições mais leves”, diz Gatto, também especialista em emagrecimento e reposição hormonal.

A nutricionista Marianne Fazzi, da clínica Trivita, em São Paulo, explica que a influência dos horários das refeições na saúde é tão grande que existe uma área de estudos chamada crononutrição. “Nela, pensamos nos efeitos da alimentação no nosso relógio biológico. Através dela, determinamos os melhores momentos para realizar refeições e consumir certos alimentos”, diz.

“Se seguirmos o ritmo do ciclo circadiano, vamos ter uma melhor digestão e absorção dos nutrientes e, como resultado disso, melhor saúde e energia para o corpo. Sabiamente, por meio dos estímulos de luz do dia, o corpo disponibiliza enzimas dos processos digestivos”, diz.

As alterações fisiológicas relacionadas à alimentação tardia também podem influenciar o risco de câncer, de acordo com um estudo do Instituto de Saúde Global de Barcelona. Os pesquisadores descobriram que pessoas que se alimentam habitualmente depois das 21h e dormem até duas horas depois têm 25% mais probabilidade de desenvolver a doença, comparado aos que fazem as refeições antes disso e aguardam mais tempo antes do repouso noturno.

Os pesquisadores avaliaram 621 casos de câncer de próstata e 1.205 de mama e, para comparação, também coletaram dados de 1.910 mulheres e 1.493 homens saudáveis. Nenhum dos participantes trabalhava no turno da noite. Os voluntários foram entrevistados sobre horários das refeições, sono e hora em que normalmente dormiam e responderam a um questionário de frequência alimentar.

Aqueles que dormiram duas ou mais horas após o jantar tiveram uma redução de 20% no risco de câncer de mama e próstata. Já os que se alimentavam depois das 21h e se deitavam até duas horas após a refeição tiveram uma probabilidade 25% mais elevada de desenvolver uma das doenças.

“Estudos sobre nutrição e câncer se concentraram no tipo (por exemplo, frutas e vegetais) e na quantidade de ingestão de alimentos, e não no momento da alimentação”, diz o principal autor do estudo, Manolis Kogevinas. “No nosso estudo, mostramos que a adesão a padrões alimentares diurnos está associada a um menor risco de câncer, o que enfatiza a importância de se avaliar, também, os horários em estudos sobre dieta e câncer”, defende.

Tenha horários regulares

“Além da qualidade da alimentação, o horário das refeições influencia o metabolismo — e, consequentemente, a saúde geral do corpo. Assim, não importa somente o que você come, mas quando você come. Estabelecer horários regulares para fazer as refeições ajuda a manter o peso, a dormir melhor e manter as atividades diárias com bom desempenho por causa do fenômeno ritmo circadiano (o “relógio biológico” de cada um). Alimentar-se adequadamente em horários regulares faz com que o corpo mude de tarefa e se recupere de maneira mais apropriada. Resumidamente, o horário das refeições influencia nos relógios biológicos do fígado e do sistema digestivo como um todo. Por isso, é tão importante ter um horário certo para comer. Uma rotina alimentar irregular não impacta somente no peso. Um dos maiores riscos é o desenvolvimento da síndrome metabólica. Essa condição predispõe o indivíduo a ter maior risco de diabetes do tipo 2, perturbações relacionadas à síndrome do ovário policístico, e maior risco de doenças cardiovasculares, como a aterosclerose e infarto.”

Rogério Marques, médico especialista em nutrologia da clínica Tivolly

(**) Informações do Correio Braziliense