RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Dormir pouco e chegar muito cansado à escola é um problema que sempre existiu e pelo qual todo estudante já passou. Para profissionais das áreas de educação e saúde, entretanto, a frequência e a precocidade dos casos vêm aumentando de maneira preocupante. A causa pode estar na presença cada vez maior de telas na rotina de estudos e de entretenimento dos alunos.

De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, as noites mal dormidas afetam inclusive os que estão na fase pré-escolar, impondo novos e urgentes desafios aos pais e às escolas. No Dia Mundial do Sono, nesta sexta-feira (15), o alerta é de que perder horas necessárias de descanso pode significar prejuízos para o crescimento físico, aprendizado e capacidade de relacionamento.

“A preocupação maior é que muitas crianças e adolescentes hoje vivem em privação de sono, que é fundamental para maturação do sistema nervoso central, particularmente nos primeiros anos de vida. Dormir é importante para a formação de memória, mecanismos de atenção e todas as funções cognitivas”, diz a médica Rosana Cardoso Alves, neurologista e neuropediatra com formação em neurofisiologia clínica e medicina do sono.

O sono afeta ainda em outros aspectos do organismo como a imunidade e a parte cardiovascular. “A falta de sono de qualidade interfere no desenvolvimento infantojuvenil”, afirma a neuro.

Erika Fernanda Falaschi Romeiro, coordenadora pedagógica de ensino fundamental 1 da Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental Albert Sabin, em Ribeirão Preto (SP), conta que na sala de aula é possível sentir o impacto do uso das telas a partir do aumento de crianças chegando com sono e, consequentemente, apresentando um tempo de concentração muito reduzido.

“As telas oferecem atrativos que prendem nossos jovens e crianças por tempo excessivo num ambiente de estímulos incessantes. Controlar esse tempo parece impossível. O trabalho precisa ser conjunto, família e escola”, afirma Romeiro, que é pedagoga e psicopedagoga especializada em neuroaprendizagem.

Membro da ABS (Associação Brasileira do Sono), Alves reforça que os pais têm que ficar muito atentos ao entretenimento com tablets e smartphones, sobretudo no período noturno. E embora seja comum os adolescentes irem dormir mais tarde por conta de uma alteração chamada “atraso da fase de sono”, isso não significa passar noites em claro para acompanhar streamings, videogames e afins.

“São dois aspectos: a questão da luminosidade excessiva que atrapalha o sono e diminui a produção de melatonina, e a dos jogos e redes sociais, opções que acabam deixando a criança e o adolescente mais ansiosos”, destaca a médica.

O uso excessivo de telas é um dilema que vai além de proibir e, por ser algo novo, muitos pais têm procurado o consultório médico em busca de ajuda para criar limites.

“A criança que acaba dormindo muito tarde e tem que levantar cedo para ir à escola, acaba dormindo às vezes cinco ou seis horas, que é muito pouco até para um adulto. Tem que ser colocado para as famílias tentar reduzir, pelo menos próximo do horário do sono”, pontua a médica.

A turismóloga Mariana Lima, 28, mãe da estudante Fernanda, 6, diz que as telas prendem muito a atenção da criança e são hoje, para elas, o principal entrave na hora do sono. “Já percebi que, às vezes, a Fernanda está caindo de sono e, se eu não consigo parar para colocar ela para dormir, ela pega o celular e aquilo a desperta”, conta.

Embora a menina seja tranquila e costume atender ao pedido para desligar, às vezes a mãe precisa intervir e conter a agitação para que a garota dê conta no dia seguinte de todas as suas atividades sem ficar cansada demais.

Cláudia Catão, psicoterapeuta especialista em sono que integra o corpo clínico da Doutor ao Vivo, diz que a falta de sono é um estado fisiológico que reduz a capacidade de responder aos estímulos ambientais e altera os ciclos do corpo. O horário e a duração do descanso noturno, portanto, influenciam o metabolismo corporal e a normalidade da função cerebral. “Quando a gente tem uma interrupção, uma dessincronização, vamos causar doenças metabólicas, psiquiátricas e degenerativas”, afirma Catão.

Para regular os padrões de sono, além do controle das telas, a psicóloga recomenda reduzir comportamentos sedentários e estimular as atividades físicas e extracurriculares no ambiente escolar.

“Pais, sociedade, escola, nós todos estamos envolvidos e comprometidos, ou precisamos estar, com o desenvolvimento de nossos futuros adultos, seja emocional, cognitivo, comportamental ou da saúde do corpo. Modelar esses hábitos de vida saudáveis”, pondera.

A psicoterapeuta também recomenda que os pais façam parte da rotina de acordar e dormir dos filhos para estar próximo das necessidades emocionais que por ventura surjam. Na hora do descanso, as luzes de LED, mais parecidas com a do dia, devem ser substituídas por abajures em tons mais alaranjados do começo da noite, e as vozes e imagens por uma música mais tranquila ou uma história de dormir.

As práticas ajudam no que os especialistas chamam de higiene do sono e se refletem também na qualidade do humor matinal no dia seguinte, evitando um problema crônico. “Se o humor dela [criança pela manhã] fica alterado, [se] tem problema para controlar os impulsos e os comportamentos agressivos, [essas] são características das crianças que estão tendo privação de sono. Irritada, é difícil para ela lidar com as dificuldades relacionais na escola.”

A professora Damir Forner, de Chapecó (SC), criadora da rede Peixinho Feliz, primeira franquia especializada em educação infantil do Brasil, trabalha há cerca de 40 anos com educação e diz que o sono é uma questão de suma importância nas fases iniciais de aprendizado.

Especialista em linguística e metodologia de ensino, ela diz que os bebês com sono prejudicado já apresentam piora no relacionamento com professoras e amigos e que pais devem ficar atentos a tudo que altera o sono, como possíveis pesadelos ou medos. “Se não dormir bem, ela vai ficar agressiva e vai mostrar isso no seu comportamento. Em casa, ficar na tela até tarde é danoso, porque afeta a qualidade do sono. Às vezes, crianças com idade de três a quatro anos já não dormem bem”, diz Forner.

Além da hora do soninho na escola para os pequenos, Forner também diz que é importante ter momentos de prática de respiração para acalmar crianças maiores, de 8 a 9 anos. “Não é apenas o abuso excessivo das telas, também tem outras questões de natureza subjetiva, de natureza emocional e da natureza familiar”, reforça Forner.

Coordenadora do Centro Educacional Darcy Ribeiro, em Paranoá (DF), a professora de língua portuguesa Marlete Batista do Nascimento atua há 30 anos no segmento de educação e aponta que muitos alunos chegam atrasados ou têm o desempenho escolar prejudicado pelo sono. “Pelo relato de pais e alunos, e pela observação que fazemos, o uso de telas é o principal motivo da falta de sono. Ficam até altas horas jogando e navegando na internet”, relata Nascimento.

O combate ao problema acontece por meio de reuniões e conversas com os responsáveis, estimulando o estabelecimento de uma rotina de estudos e de um horário combinado para dormir. A realidade das famílias, entretanto, nem sempre é fácil de resolver. “A família, muitas vezes, deixa o estudante sozinho em casa para acordar e se preparar para a escola. A criança tem dificuldade de se organizar e seguir horários sem supervisão. Não acorda com despertador, mas a família muitas vezes não tem condições de ajudar, pois saem cedo de casa e voltam tarde”, lembra Nascimento.