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Nota técnica elaborada pelo OBR-319 em parceria com a Reta, recomenda a retomada urgente do processo de criação de uma UC no território 

Há mais de 10 anos moradores de comunidades do Rio Manicoré, no interior do Amazonas, reivindicam a criação de uma Unidade de Conservação (UC), como uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), no seu território que sofre com invasões de terra, exploração ilegal de madeira e caça predatória. Essas atividades colocam em risco, não apenas o meio ambiente, mas também o modo de vida dos habitantes locais. 

Com o objetivo de subsidiar o processo de criação da RDS rio Manicoré, o Observatório da BR-319 (OBR-319), com apoio de pesquisadores do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), e da Rede Transdisciplinar da Amazônia (Reta), produziram uma nota técnica com informações e documentos do histórico de luta desses moradores. 

O processo, iniciado legalmente em 2008, teve importantes avanços após uma reunião realizada, em dezembro de 2021, com lideranças do rio Manicoré e representantes de órgãos ambientais, da Procuradoria Geral do Estado do Amazonas (PGE-AM), do Ministério Público Federal (MPF) e de organizações da sociedade civil. 

A área prevista da RDS Rio Manicoré abrange 392.239 hectares no centro-oeste do município de Manicoré (distante 331 quilômetros de Manaus) e abriga uma população de, aproximadamente, quatro mil pessoas em 15 comunidades. Há anos o território sofre com invasões de terra, exploração ilegal de madeira e caça predatória, 

A nota técnica também apresenta uma análise histórica e socioambiental sobre o processo de criação da RDS, com dados oficiais do território, perspectivas dos moradores das comunidades do rio Manicoré a respeito da criação da UC, mapeamento da exploração madeireira no local, entre outros aspectos. O documento pode ser acessado em https://abre.ai/edW0.

“O processo de criação dessa UC se estendeu por mais de uma década e passou por uma série de trâmites, incluindo estudo técnico, oficinas e consulta pública, mas não se concretizou. Dessa forma, a área permanece até os dias atuais como uma terra pública não destinada, sofrendo com a grilagem e a degradação florestal”, explica a pesquisadora do Idesam, Tayane Carvalho. Desde 2015, o município de Manicoré é o quinto no ranking de desmatamento do estado. 

“A criação desta UC deve abranger todas as áreas de uso tradicional e ancestral das comunidades para garantir o bem-estar dos seus moradores”, destaca a pesquisadora da Reta, Jolemia Chagas. “A vontade das comunidades deve nortear este processo e ser respeitada. Além de resguardar o modo de vida dos moradores do local, a criação da UC deve facilitar a resolução de questões sobre a regularização fundiária, o acesso a políticas públicas, o fortalecimento do extrativismo e outras atividades econômicas compatíveis com a conservação da floresta e a segurança jurídica relacionada ao uso da terra”, acrescenta Jolemia. 

Como resultado da reunião, realizada em dezembro, o governo do Amazonas entregou à Central das Associações Agroextrativistas do Rio Manicoré (Caarim), no dia 17 de março, a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) do território. A medida, embasada na Lei Nº. 3.804/2012, foi dada na modalidade coletiva e com prazo indeterminado, por se tratar de regularização fundiária coletiva de povos e comunidades tradicionais em terras de domínio público estadual. 

A CDRU é um instrumento legal que garante mais segurança aos moradores do território e facilita o acesso a políticas públicas para cultivo da terra e atividades sustentáveis, que preservem as comunidades tradicionais e seus meios de subsistência. 

Ameaças 

O vice-presidente da Associação dos Produtores Agroextrativistas da Comunidade do Estirão (Aproface), em Manicoré, Cristian Alfaia, declarou durante a reunião, em dezembro, que os invasores se sentem à vontade para ocupar áreas do território que garantem a subsistência das comunidades tradicionais. 

“Na comunidade do Estirão, grileiros estão invadindo uma área por trás da comunidade, onde os moradores fazem o extrativismo da castanha, da copaíba e do açaí. Até nos altos das cachoeiras já se percebe uma grande invasão de pessoas que não residem ali, não nasceram e nem se criaram no rio Manicoré que são, por exemplo, madeireiros que vem do Pará, no sul do Brasil, e que estão invadindo e extraindo madeira de forma ilegal”, relata Alfaia. 

“Os moradores do rio Manicoré são muito dependentes do agroextrativismo, como açaí e mandioca. Produzimos a farinha tradicional, a amarela, a branca e também a pesca. O que a gente extrai dali, leva sustento não só para os moradores da região, mas também contribui para a economia do município. Proteger os direitos dos moradores do rio Manicoré e combater a devastação ambiental beneficiará todos os moradores do município”, avaliou. 

Há também relatos de pesca ilegal no rio Manicoré, que já mostra suas consequências como a diminuição de espécies de pescado – e ameaça à segurança alimentar e a subsistência dos comunitários. 

“Para a maioria dos comunitários entrevistados pelo OBR-319 e Reta, os principais pontos positivos após a criação da RDS serão o combate à grilagem de terras, a proteção da fauna e da flora, e dos recursos naturais dos quais eles fazem uso, como a madeira e o pescado, a perpetuação do modo de vida tradicional e a garantia de abrigo para as futuras gerações. Algumas pessoas mencionaram também a possibilidade de acessar políticas públicas, como o Bolsa Floresta”, relata a secretária executiva do OBR-319, Fernanda Meirelles. 

Recomendações 

A nota técnica produzida pelo Observatório BR-319 e pela Reta recomenda, entre outras medidas, a reabertura urgente do Processo Administrativo de criação da RDS Rio Manicoré pela Sema-AM e a realização de uma nova consulta pública junto às comunidades do rio Manicoré. “A manifestação social tem se mostrado majoritariamente favorável à criação da RDS e a região está sob constante ameaça de invasores e exploradores ilegais, o que acentua a iminência da destinação dessa terra não designada”, diz um trecho da nota técnica. 

Outras recomendações incluem o aumento da fiscalização ambiental na região, maior transparência nas informações fundiárias e a criação de um banco de dados unificado, que integre as informações dos diferentes sistemas de registros de imóveis, com dados jurídicos, ambientais e fiscais, para facilitar a detecção de grilagem e outros crimes ambientais na região.