BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Congresso Nacional abriu caminho para que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) possa captar recursos mediante a concessão de um benefício aos investidores, que terão isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos.

Um dispositivo inserido na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, já aprovada, flexibiliza as regras para incentivos ligados à emissão de letras de crédito destinadas ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico de longo prazo.

A medida é estratégica para os planos do banco de fomento, que quer lançar a chamada LCD (Letra de Crédito ao Desenvolvimento), uma opção para reduzir sua dependência em relação ao Tesouro Nacional.

Segundo interlocutores ouvidos pela Folha, uma MP (medida provisória) para formalizar a criação do instrumento já tramita dentro do governo, mas só poderá ser publicada após a sanção da LDO. Estimativas apontam uma renúncia inferior a R$ 1 bilhão ao ano.

O incentivo das LCDs se assemelha ao benefício concedido aos brasileiros que aplicam recursos em LCI ou LCA (letras de crédito imobiliário e do agronegócio, respectivamente). Nessa modalidade, os segmentos conseguem captar recursos oferecendo uma vantagem aos investidores: a isenção de IR sobre os ganhos obtidos com o título.

No Orçamento de 2024, a Receita Federal estimou uma renúncia de R$ 6,56 bilhões no Imposto de Renda com os benefícios atrelados a LCI e LCA.

Os valores ligados à emissão de LCD devem ser menores porque os bancos de desenvolvimento serão os únicos emissores. Além disso, o próprio BNDES prevê uma implementação gradual do instrumento.

O ajuste na LDO era necessário porque o texto restringia a concessão de novos benefícios tributários a um prazo máximo de cinco anos, o que poderia ser um complicador, uma vez que as LCDs podem ser emitidas com prazos maiores até o resgate dos recursos pelo investidor.

Por isso, o texto prevê uma exceção a essa regra para beneficiar o novo instrumento do banco de fomento. A mudança foi feita pelo relator da LDO, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), a pedido de membros do BNDES e com a anuência da equipe econômica.

Procurado, o BNDES confirmou o teor da mudança. “A LDO autorizou o benefício fiscal para que o BNDES possa emitir a futura LCD. Esse projeto já está pactuado com o Ministério da Fazenda, que está responsável pelo seu encaminhamento legislativo”, disse o banco.

A reportagem questionou o Ministério da Fazenda, inclusive sobre o impacto da renúncia, mas a pasta informou que não se manifestaria sobre projeto ainda em tramitação.

Segundo interlocutores do governo, a MP que criará a LCD também deve fazer alterações pontuais na TLP (Taxa de Longo Prazo), criada em 2017 para balizar os empréstimos do banco de fomento.

O objetivo da TLP foi eliminar os subsídios implícitos que vigoraram em gestões anteriores do PT, quando o banco tomava recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) a uma taxa menor do que o custo de captação do Tesouro. A taxa é atrelada ao custo de captação das NTN-Bs de cinco anos —título público remunerado pela inflação mais uma taxa real de juros.

Na visão do banco, porém, captar recursos por uma taxa única tira competitividade de certas linhas de crédito ofertadas pela instituição, como capital de giro, pois encarece o financiamento para os tomadores.

A proposta negociada com o Ministério da Fazenda é criar outras opções de remuneração para além da TLP atual. A tendência é o governo permitir que o BNDES capte recursos do FAT pagando Selic (hoje em 11,75% ao ano) ou outras duas taxas prefixadas.

Segundo técnicos, todas as opções estarão vinculadas a taxas de mercado, sem criação de novos subsídios implícitos.

As discussões para criar a LCD e flexibilizar a TLP foram reveladas em março pelo diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES, Nelson Barbosa, em entrevista à Folha.

Na ocasião, ele disse que um dos objetivos do banco é retomar o padrão histórico de desembolsar pelo menos 2% do PIB, ou R$ 200 bilhões. Para isso, a instituição precisa ter recursos em caixa para servirem de fonte de financiamento.

No fim de novembro, o BNDES obteve aval do TCU (Tribunal de Contas da União) para adiar a devolução de R$ 22,6 bilhões ao Tesouro Nacional. O valor é o saldo remanescente dos empréstimos feitos pelo governo em gestões anteriores do PT e que foram considerados irregulares pelo tribunal.

Em vez de restituir o montante final em 2023, o BNDES vai pagar oito prestações de R$ 2,9 bilhões anuais, até 2030. A medida ajuda a manter recursos no caixa do banco.

A instituição também tentou emplacar, na reforma tributária, um dispositivo para evitar o uso do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para cobrir o déficit da Previdência Social. A avaliação é que isso pode levar a um cenário no futuro em que o BNDES tenha de devolver verbas ao FAT, tirando capacidade de financiamento do banco. A mudança, porém, não vingou.

Enquanto a MP que cria a LCD não é apresentada, o deputado Heitor Schuch (PSB-RS) apresentou um projeto de lei para instituir a LCIND (Letra de Crédito da Indústria), com o objetivo de “estimular o desenvolvimento industrial, produtivo e tecnológico brasileiro”.

A proposta tem um escopo mais amplo, uma vez que todas as instituições financeiras públicas e privadas poderiam usar o instrumento incentivado para captar recursos —não só os bancos de desenvolvimento.

“O projeto em questão abrange todas as instituições financeiras e será avaliado pelo BNDES em conjunto com a equipe econômica”, informou o banco, em nota. A Fazenda disse que não comentaria a proposta em tramitação.