SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A epidemia de dengue no país continua alarmante, com 920.427 casos prováveis e 184 óbitos registrados até a última segunda-feira (26), de acordo com dados do Ministério da Saúde.

A aplicação da vacina Qdenga contra a dengue teve início no país nas últimas semanas, com foco, no momento, na imunização de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos.

Mesmo com a vacinação em curso, há um longo caminho até que o efeito da imunização na população seja suficiente para reduzir os novos casos da doença, e especialistas afirmam que isso não deve ocorrer neste ano.

“Para este ano, com esta epidemia, já passou. É provável que a gente veja alguma ação só lá para frente, e quando tivermos uma vacinação maciça da população –cerca de 70% a 80% do público-alvo”, explica Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu.

Em meio a uma epidemia sem precedentes —até agora, pelo menos sete estados e capitais decretaram emergência sanitária pela doença—, é natural que a população esteja mais atenta às formas de prevenção do vírus. Por ser uma doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, o combate ao vetor é o primeiro passo para reduzir a infecção.

A Folha de S.Paulo ouviu cinco especialistas sobre os cuidados que devem ser tomados para o combate à dengue –desde ações individuais, feitas no ambiente domiciliar, até ações que devem ser coordenadas pelas três esferas do governo municipal, estadual e federal.

Na opinião dos cientistas, é unânime que o primeiro cuidado deve ser em casa, já que cerca de 80% das infecções por dengue são no ambiente domiciliar. “É fundamental a eliminação dos reservatórios no domicílio, uma vez que concentram os focos. É claro que isso não exime a responsabilidade do município, do estado, mas se conseguirmos eliminar esses focos, dá para reduzir drasticamente a transmissão de dengue”, afirma a infectologista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Raquel Stucchi.

“A gente sabe que 80%, 90% dos mosquitos que são capturados [pela vigilância epidemiológica] estão no peridomicílio das casas [área que abrange a habitação e entornos, como calçadas, quintais, portões e muros]. Por isso, as campanhas que visam eliminar os focos nestes locais são fundamentais”, explica Barbosa, da Unesp.

Ele lamenta, porém, a baixa adesão de parte da população de tais medidas nos últimos anos —campanhas de combate à dengue são veiculadas desde a década de 1980, mas a adesão vem diminuindo a cada ano.

“Não falta conhecimento [de combate ao mosquito] em todas as faixas etárias. Quando fazemos questionários, 95% da população respondente sabe o que deve ser feito para eliminar o foco do mosquito. E mesmo assim, quando vai o agente de vigilância nas casas, consegue ver cinco, seis focos em um mesmo domicílio”, disse.

Nessas horas, há uma cobrança de parte da população do poder público, como por exemplo para entrar em terrenos baldios e tampar reservatórios de água abertos. “Há um discurso do poder público de que estão empenhados a tentar fazer limpezas em terrenos, mas ainda assim, 80% dos focos estão nas casas”, afirma Stucchi, da Unicamp.

Stucchi lembra que o período de maior incidência da doença não passou, uma vez que ele coincide com as temperaturas elevadas e alta pluviosidade. “Esse entendimento da população do seu papel no controle deve continuar até maio, período ainda chuvoso, para tentar reduzir os casos esperados, não neste ano, mas para 2025.”

Já o controle epidemiológico dos bairros onde têm muitos surtos, com ações de monitoramento e prevenção, são atribuições das secretarias municipais. “O monitoramento constante é muito importante nessas áreas, que acabam concentrando populações altamente suscetíveis nos próximos dias ou semanas”, explica o infectologista.

Mas mesmo o trabalho de monitoramento pode ter empecilhos, que vão desde a falta de recursos para os agentes de saúde até recusas de moradores. “É claro que é importante o cuidado dentro de casa, porque basta uma tampinha de garrafa PET para o mosquito colocar os ovos e se proliferar. Mas não é só isso –os agentes da vigilância são treinados para encontrar os focos, e por isso é fundamental permitir a entrada nos imóveis em busca de focos”, afirma a demógrafa e pesquisadora da Universidade de Harvard, Márcia Castro.

É aí que entram também algumas estratégias que tiveram uma eficácia local no passado, embora a sua aplicação em larga escala seja ainda de difícil execução. Um exemplo é a introdução de mosquitos machos geneticamente modificados —que não conseguem se reproduzir—, que acabam por eliminar aos poucos as populações de fêmeas (são elas que picam os humanos e transmitem o vírus). Conhecida como “Aedes do Bem”, a estratégia virou objeto de imbróglio judicial no país no último ano.

Outras, de menor alcance, são os mosquitos Aedes infectados pela bactéria Wolbachia, que impede que o vetor sirva de hospedeiro intermediário para o vírus da dengue. Esta tecnologia foi empregada na cidade de Niterói,

“A Wolbachia tem demonstrado bons resultados, mas precisa ganhar escala”, afirma o médico sanitarista e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Cláudio Maierovitch. Aplicação de larvicidas em reservatórios de águas é um outro método de combate às arboviroses utilizados pelas prefeituras, mas com eficácia mais duvidosa.

Para Carlos Magno Fortaleza, infectologista e presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, todos os exemplos citados acima de combate à doença devem ser somados para um método de prevenção efetivo. “A dengue talvez seja uma situação em que você precisa de uma responsabilidade tanto do poder público quanto dos indivíduos”, disse. “São estratégias interessantes [os mosquitos transgênicos], têm resultados promissores, mas até agora elas não se traduziram em políticas públicas custo-efetivas”, afirmou.

As dificuldades são muitas, e as soluções continuam praticamente as mesmas há 40 anos. “Eu, particularmente, acredito que a prevenção da dengue vai vir com a vacina, mas não essa agora, acho que uma excelente candidata é a que está sendo desenvolvida pelo [Instituto] Butantan, porque ela é de dose única”, finaliza o médico.