BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Resultados de um levantamento sociodemográfico sobre autistas revelam desafios em garantir o diagnóstico do transtorno pelo SUS (Sistema Único de Saúde). A pesquisa também mostra a dificuldade do diagnóstico precoce em meninas e a falta de terapias em carga horária adequada, tanto na rede pública como na privada.

O Mapa Autismo Brasil, divulgado neste sábado (24), colheu 1.699 respostas de autistas adultos e seus familiares do Distrito Federal sobre o contexto do diagnóstico, adaptações escolares, tipos e custos das terapias, renda e profissão tanto dos pacientes como de seus eventuais cuidadores. A pesquisa é um projeto-piloto de um mapeamento nacional que iniciará sua coleta de dados em agosto de 2024.

Em 77,4% dos casos, o diagnóstico foi feito na rede particular. Como o estudo colheu informações por meio de um questionário online, as pesquisadoras envolvidas entendem que receberam proporcionalmente mais respostas de famílias de renda média e alta, que usualmente têm acesso a clínicas e planos privados. O dado, no entanto, vai ao encontro à prática de profissionais da saúde e da educação: o acesso, e feito de forma rápida, a especialistas da rede pública para obter o diagnóstico a crianças a partir dos primeiros sinais é um gargalo nacional.

A reportagem entrou em contato com o Ministério da Saúde para perguntar sobre o diagnóstico do transtorno no SUS e o acesso a terapias pela rede pública e carga horária adequada, mas não teve resposta até a publicação da reportagem.

O levantamento aponta que 54,7% dos autistas tiveram o transtorno identificado antes dos cinco anos. Destrinchado por gênero, o resultado quantifica uma já conhecida desigualdade na área: a idade média da descoberta entre meninos é de 7 anos, enquanto entre meninas sobe para 14. Para Ana Carolina Steinkopf, coordenadora e idealizadora do mapa ao lado Núcleo de Autismo e Neurodiversidade da UnB (Universidade de Brasília), o dado indica falta de conhecimento.

“Os critérios diagnósticos são muito voltados para características dos homens, e não das mulheres”, afirma.

No acesso às terapias, o trabalho mostra que em mais de 67% dos casos as famílias usam o plano de saúde para fazer todos ou parte dos tratamentos. Aqueles que fazem até cinco horas semanais são 46,1%, enquanto os que têm acesso aos cuidados de cinco a dez horas representam 14%, e os pacientes que fazem mais de dez horas de terapia por semana são 14,8%. Especialistas consideram o tempo disponibilizado pelas redes públicas e privadas muito baixo.

“Esse resultado mostra que não é porque a pessoa tem renda maior que vai ter mais horas de terapia”, diz Steinkopf.

Janaína Souza, 43, professora de um programa de estimulação precoce público, gasta R$ 600 por mês para que o filho Samuel Souza, 9, faça uma sessão semanal de fonoaudiologia e tenha reforço escolar outras três vezes.

O menino também tem atendimento psicológico pelo plano de saúde uma vez por semana e faz capoeira num programa social do Gama, região que fica a 34 km do Plano Piloto de Brasília. “Estou atrás de terapia ocupacional, mas os valores não são acessíveis.”

Ela conta que nunca conseguiu fazer os tratamentos pelo SUS, ainda que o diagnóstico tenha sido pelo sistema público e ocorrido rapidamente.

Souza entende que o filho, hoje aluno do 4º ano, precisa de ainda mais terapias. “Acredito muito na capacidade que as terapias têm de ajudá-lo. Enquanto professora e mãe, estudo muito, muita coisa eu mesma aplico e faço com ele em casa.”

Para Thiago Lopes, doutor em psicologia e especialista em autismo precoce, a carga intensiva é crucial mesmo para autistas que precisam de menor suporte no dia a dia.

“Dez horas por semana parece muito tempo de terapia, mas estudos apontam que o pleno potencial das pessoas com autismo é atingido com 15 a 20 horas por semana”, afirma.

“A pessoa vai se desenvolver com dez horas por semana, mas não toda fluência, capacidade e potencial. São pessoas que talvez se tornem adultos funcionais, mas que podem não ser capazes de se formar, ter uma carreira, manter uma família ou relacionamentos saudáveis por não compreenderem necessariamente muitos dos aspectos das interações na idade adulta.”

Entre os obstáculos para cargas mais intensivas estão falta de serviços públicos, impossibilidade de os pais levarem os filhos a tantos tratamentos, desconhecimento dos médicos que prescrevem as terapias, bloqueios dos planos de saúde e contrapartida financeira de responsabilidade das famílias -mesmo entre aquelas que possuem planos de saúde.