RIAD, ARÁBIA SAUDITA (FOLHAPRESS) – De olho na diversificação da pauta comercial e dos negócios mútuos com o Brasil, o governo saudita anunciou nesta terça (5) que deverá abrir em breve uma representação de seu Ministério dos Investimentos em São Paulo.

Hoje, o agro responde por 70% das exportações brasileiras à nação árabe, que somaram US$ 3,2 bilhões (R$ 15,8 bilhões hoje) em 2023. Na mão inversa, quase todos os US$ 3,7 bilhões (R$ 18,3 bilhões) vendidos pelos sauditas ao Brasil vieram na forma de petróleo e derivados.

“Há muitas oportunidades para explorar. Temos fundos de US$ 10 bilhões (R$ 495 bilhões) para financiamento para quem vier se instalar, além de US$ 2 bilhões (R$ 9,9 bilhões) em incentivos locais”, afirmou Waleed al-Rubaie, o diretor-executivo do ministério.

Ele recebia em Riad, a capital saudita, uma delegação com cerca de 30 empresários liderada pelo ex-governador paulista João Doria, que hoje se dedica a seu grupo de promoção de negócios Lide. Hoje o país não está nem entre os top 20 do comércio exterior brasileiro.

No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve no reino desértico e projetou uma ampliação da corrente de comércio para até US$ 20 bilhões (R$ 99 bilhões) em 2030, o ano mágico para todos os que vão à Arábia atrás de negócios.

O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, real fonte de poder no país, estabeleceu o ano como meta para um projeto visto por muitos como megalomaníaco, a Visão 2030, que reúne iniciativas e investimentos que somam astronômicos US$ 3,2 trilhões (R$ 15,8 trilhões), ou o equivalente a uma vez e meia o PIB brasileiros no ano passado.

Parte expressiva da ação, criticada como megalomaníaca e dada a escamotear com a promessa de transição pós-petróleo o fato de que o dinheiro sai dos ricos poços de hidrocarbonetos sauditas, passa pela atração de investimentos.

O agro brasileiro tem presença fortíssima na Arábia Saudita há décadas –e no mundo árabe em geral, que começou a ser desbravado pela então Sadia em uma venda aos Emirados que visava fazer subir o preço doméstico do frango no Brasil há exatos 50 anos.

“Hoje, qualquer supermercado ainda tem produtos Sadia”, afirmou o ex-ministro do Desenvolvimento, Comércio e Indústria Luiz Fernando Furlan, que integra a comitiva como presidente do conselho do Lide. A BRF, que mantém a marca original, tem duas fábricas sauditas e planeja uma terceira.

Mas a diversificação não se resume a negócios maiores “Vim aqui por causa de bife com batata frita”, celebrava na noite de segunda (4) o chef franco-brasileiro Olivier Anquier em um descolado restaurante para os abastados de Riad, o Suhail. Convidado p elo empresário Tarik al-Abassi e sua mulher brasileira Cilene, o chef estava negociando a instalação de uma unidade de seu L’Entrecôte d’Olivier, especializado em servir filé com batata fria.

Carne bovina não é muito disseminada no país, que consome quantidades industriais de frango, a maioria importada do Brasil, e cordeiro -além de especialidades locais como o camelo, cujo prato custa o equivalente a R$ 150 no Suhail, um pouco mais do que o carro-chefe de Anquier.

O que vai ficar faltando é a carta de coquetéis e vinhos, já que álcool é vetado na Arábia Saudita por motivos de interpretação estrita do islamismo.

Voltando às grandes transações, a Embraer está com dois pés dentro de uma licitação gigante para a compra de aviões de transporte militar. Se der certo, a empresa brasileira poderá vender de 33 a 54 modelos KC-390, substituindo a frota atual de C-130 Hércules dos sauditas, no que seria o maior negócio da história do avião.

Há também interesse saudita em trazer know-how brasileiro na área da energia renovável. Uma das bandeiras da Visão 2030 é a descarbonização, e o reino em si colocou 2060 para a meta de emissões zero.

Por óbvio, isso atrai acusações de “greenwashing”, que andam de mãos dadas com a melhoria da imagem buscada pelo investimento em eventos esportivos como a Copa-2034 e a compra a peso de ouro de craques do futebol internacional -como Neymar, que está sem jogar, machucado, mas segue vendendo muitas camisas e participando de eventos do clube Al-Hilal.

O regime de MbS, como o príncipe é conhecido, é acusado universalmente de violações dos direitos humanos, como o notório assassinato do jornalista dissidente Jamal Khashoggi, ocorrido na Turquia em 2018.

Projetos brasileiros em biocombustíveis, por exemplo, podem encontrar espaço no mix que Riad promete adotar, apesar do ceticismo de críticos. A mão é de duas vias: “O Brasil é deficitário em derivados de petróleo, como o diesel. Isso mostra a complementaridade entre nosso países”, disse em exposição o vice-presidente do grupo Raízen, Paulo Neves.

*O jornalista viajou a convite do Lide