Reprodução/Twitter @antonioguterres - 29.04.2022

A Rússia lançou uma série de ataques aéreos, os primeiros desde o começo do mês, contra a capital ucraniana, Kiev, durante a visita do secretário-geral da ONU , António Guterres, à cidade. Segundo um porta-voz, a comitiva se encontra segura, porém “abalada” após a ação, ocorrida no começo da noite.

“[Os ataques] dizem muito sobre os esforços dos dirigentes russos para humilhar a ONU e tudo que essa organização representa” afirmou, em vídeo publicado no Telegram, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

Ao todo, disse Zelensky, a cidade foi atingida por cínco mísseis — um deles, segundo o portal Ukrinform, provocou danos em um prédio residencial de 25 andares, e cinco pessoas foram resgatadas no local.

“Isso requer uma reação poderosa, da mesma intensidade” ameaçou Zelensky.

Guterres não fez comentários sobre o ataque, mas um porta-voz afirmou que todos presentes na comitiva ficaram “abalados” com a proximidade das explosões.

“É uma zona de guerra, mas causa comoção que isto tenha ocorrido perto do local onde estávamos” disse à AFP o porta-voz, Saviano Abreu.

A viagem do secretário-geral à Ucrânia, um dia depois de um  encontro com o presidente russo, Vladimir Putin, serve como uma iniciativa da ONU de pressionar por compromissos relacionados à proteção de civis em áreas de conflito, como em Mariupol, na costa do Mar de Azov, onde estima-se que ainda haja 100 mil pessoas vivendo em condições “catastróficas”.

Na reunião com Zelensky, ele apontou que Putin havia concordado, “em princípio”, com o envolvimento da ONU e da Cruz Vermelha em uma operação de retirada dos civis.

“Mariupol é uma crise dentro de uma crise. Milhares de civis precisam de assistência vital. Muitos são idosos, que dependem de cuidados médicos ou têm sua mobilidade limitada” disse Guterres a jornalistas. “Eles precisam de uma rota de fuga desse apocalipse.”

O secretário-geral também se referia à situação na siderúrgica Azovstal, o último foco de resistência contra as forças russas em Mariupol, e onde, além de combatentes ucranianos, há centenas de pessoas abrigadas em bunkers. Até o momento, Moscou e Kiev não se acertaram sobre o estabelecimento de rotas de fuga para civis, e a Rússia pressiona para que os militares e integrantes de milícias se rendam incondicionalmente.

“Conforme falamos, há intensas discussões para levar adiante essa proposta e torná-la algo real” afirmou Guterres. “Só posso dizer que estamos fazendo o possível para que isso aconteça. Não farei comentários que possam atrapalhar essa possibilidade.”

Guerra ‘absurda’

Mais cedo, o secretário-geral visitou Irpin, Borodyanka e Bucha, onde dezenas de corpos de civis foram encontrados nas ruas após a retirada das forças russas, no começo de abril, no que, segundo as autoridades ucranianas e relatos de sobreviventes, se tratou de um massacre deliberado.

Ali, chamou a guerra de “absurda”, considerou que o Conselho de Segurança da ONU falhou ao não evitar o conflito e defendeu uma investigação para entender o que ocorreu ali e apontar os responsáveis.

“Quando vemos este lugar horrível, entendo o quão importante é ter uma investigação completa e estabelecer as responsabilidades. Peço que a Rússia aceite cooperar com o Tribunal Penal Internacional” disse o secretário-geral.

Moscou nega qualquer responsabilidade, e além de acusar os próprios ucranianos pelas mortes, afirma que muitas delas foram encenadas, embora imagens de satélite e testemunhos digam o contrário.

Já o Ministério Público da Ucrânia anunciou a abertura de processo contra dez soldados russos acusados de participação no massacre, e a Procuradoria-Geral reúne evidências sobre supostos crimes de guerra, incluindo “assassinatos de civis, bombardeios de infraestrutura civil, tortura”, além de “crimes sexuais”, segundo a procuradora-geral, Iryna Venediktova.

De acordo com a polícia da região onde está Kiev, cerca de 1.150 corpos de civis foram recuperados até o momento na capital e em cidades dos arredores, incluindo Bucha, e até 70% deles tinham marcas de disparos feitos com armas de fogo.

Além de tentar forçar uma saída para a situação em Mariupol, a viagem de Guterres a Moscou e a Kiev é uma forma do secretário-geral inserir a ONU no processo diplomático de resolução do conflito, iniciado no dia 24 de fevereiro. Até agora, a organização vem sendo acusada de não atuar de forma decisiva, especialmente no contexto do Conselho de Segurança, para evitar a morte de civis, uma crise humanitária e a destruição da infraestrutura do país.

Fonte: O Globo