Passado mais de um ano da aprovação do Aducanumab pela FDA (agência americana reguladora de medicamentos dos Estados Unidos), ainda são poucas as evidências de que drogas anti-amiloides provoquem melhorias significativas para a memória e capacidade mental dos pacientes de Alzheimer. Especialistas ouvidos pela Folha foram unânimes ao considerar o novo tratamento como um banho de água fria.
O Aducanumab, da farmacêutica Biogen, e outras drogas similares, como o Lecanemab ou Gantenerumab, foram a grande promessa para o tratamento da doença nos últimos anos. Esses medicamentos são anticorpos monoclonais que inovam ao combater as moléculas beta-amiloides, que junto com as proteínas tau, se acumulam no cérebro dos enfermos e são conhecidas como as principais marcas biológicas da doença.
Paulo Caramelli, doutor em neurologia e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que as drogas anti-amiloides conseguem remover essas proteínas do cérebro dos pacientes, mas esse efeito não se traduz em melhorias clínicas, como ganhos de cognição e alterações na memória, agitação ou insônia.
As polêmicas começaram ainda durante a aprovação do Aducanumab. Só foi observada melhoria significativa da saúde dos pacientes em um dos dois estudos clínicos de fase 3 apresentados para a FDA. No comitê de especialistas montado pela agência reguladora para avaliar o caso, dez dos onze membros recomendaram a necessidade de novos testes antes de lançar o produto no mercado.
Ainda assim, o gabinete decidiu pela sua aprovação, condicionada à apresentação de novos estudos dentro de dois anos.
O Lecanemab, também da Biogen, foi capaz melhorar em 27% as condições clínicas dos participantes de um estudo de fase 3, segundo resultados divulgados na conferência internacional Clinical Trials on Alzheimer’s Disease. Segundo o professor Caramelli, os ganhos estão abaixo do que os médicos gostariam de oferecer para pacientes e familiares.
Além disso, é possível que os resultados sejam significativos quando o medicamento é usado em pacientes de fases mais precoces de neurodegeneração. Esses dados devem ser levantados em estudos conduzidos nos próximos anos.
Estudiosos de diferentes centros de pesquisa da França reuniram em uma meta-análise os dados de eficácia clínica e segurança divulgados nos estudos de fase 3 do Aducanumab e de fase 2 do Lecanemab e Donanemab (outro anti-amiloide).
Nesta pesquisa, os especialistas concluem que as imunoterapias produzem efeitos clínicos positivos no declínio cognitivo dos pacientes após 18 meses de uso, mas consideram os resultados aquém dos valores mínimos aceitáveis e, por isso, concluíram que relação risco-benefício destes medicamentos é questionável.
Para o especialista da UFMG, os dados obtidos nas pesquisas reduzem as perspectivas de tratamento do Alzheimer pela remoção dos beta-amiloides, pois faltam evidências robustas sobre o seu papel para os sintomas da doença. As novas drogas são capazes de desacelerar a progressão da doença, mas não têm efeitos para a reversão dos sintomas.
Apesar disso, os resultados do Lecanemab podem recolocar esses medicamentos novamente no centro do debate, já que a estabilidade relativa ao progresso da doença é vista como um grande ganho.
Outra área que avançou nos últimos anos foi do diagnóstico do Alzheimer com a popularização de ferramentas que permitem a avaliação fisiológica do paciente. Em 2022, começaram a operar comercialmente no Brasil os primeiros aparelhos de tomografia por emissão de pósitrons capazes de estimar a densidade das proteínas beta-amiloide no cérebro. Até então estavam disponíveis apenas para pesquisadores.
Apesar das inovações, Ivan Okamoto, doutor em neurologia e médico do Hospital Albert Einstein, afirma que os exames clínicos deverão continuar sendo a base fundamental de diagnósticos, já que as alternativas são caras e estão disponíveis apenas no sistema privado de saúde para poucos pacientes. Além disso, testes como o líquor são muito invasivos.
Segundo o especialista, é possível apresentar um diagnóstico para 85% dos quadros de Alzheimer com avaliações feitas no próprio consultório. O médico deve traçar a história do paciente, fazer testes de força e de cognição e, em alguns casos, exames simples de tomografia ou ressonância.
“Os novos exames vêm para os casos atípicos, mais difíceis, para subir a acurácia para 95%. São situações de doença precoce em pessoas mais jovens, ou com sintomas iniciais incomuns, como alterações na linguagem”, diz.