Se o ano econômico no Congresso Nacional de 2021 pudesse ser resumido em uma palavra, ela seria decepção. O governo federal e seus representantes na Câmara dos Deputados e Senado prometeram entregar duas reformas — Administrativa e Tributária — , mas não foi o que aconteceu. Apontados como prioridade para o governo no início do ano, os textos foram perdendo importância ao passo que a sucessão de crises foi atropelando a gestão e o plano inicial de implantar as reformas econômicas.
Entregue ainda em 2020, a reforma administrativa — responsável por alterar as relações de trabalho entre servidores, União, estados e municípios — foi prometida para o primeiro semestre de 2021. A proposta prevê mudança na regra de estabilidade dos funcionários públicos, além de extinguir gratificações e abrir possibilidade para que o servidor possa trabalhar em outras atividades remuneradas.
“O texto propõe uma série de mudanças no regime atual, buscando, em princípio, uma maior economia e maior controle sobre a própria atividade exercida nas repartições públicas. Fora isso, o governo pretende aumentar a maleabilidade para ajustes no funcionalismo público, para que caiba no Orçamento”, analisa Caio Takano, professor do Ibmec-SP, ao lembrar que os gastos com pessoal consomem mais da metade dos cofres públicos atualmente.
“A reforma administrativa ainda mexe na estabilidade dos servidores públicos. A intenção inicial era acabar com a estabilidade prevista e liberar a demissão de funcionários que não atenderem os critérios determinados no cargo. Houve muito protesto na Câmara, o que obrigou a mudança do texto na Comissão de Estudos. Eles, então, colocaram um dispositivo em que o servidor não poderia ter duas avaliações negativas no período probatório. Após esse prazo, ele manteria a estabilidade [no cargo público]. Os problemas estão nas dúvidas dos atuais servidores sobre a manutenção de seus cargos”, explica.
A proposta até foi colocada em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em março deste ano e aprovada no dia 25 de maio, com 39 votos favoráveis e 26 contrários.
Cerca de 15 dias depois, a matéria passou a ser discutida por uma comissão especial, que ouviu especialistas e autoridades sobre os tópicos mais polêmicos. Após os debates e diversas alterações no texto principal, o parecer do deputado Arthur Maia (DEM-BA) foi aprovado por 30 votos a favor e 14 contrários.
Durante a tramitação, o presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), havia prometido a aprovação final no plenário até junho. No entanto, pautas consideradas prioritárias, como a Lei Orçamentária Anual para 2021 e as novas rodadas de pagamento do Auxílio Emergencial, fizeram o Congresso adiar a análise do texto para o segundo semestre.
O novo prazo, então, passou para agosto, mas a promessa não saiu do papel e a reforma administrativa deve ficar para 2022. Durante todo o ano, uma série de assuntos passou a reforma na lista de prioridades, e ela foi sempre “ficando para depois”, dividindo o governo. Enquanto a ala mais técnica defendia a apreciação, a política entendia que, entre uma crise e outra, encarar a impopularidade da reforma administrativa poderia dificultar ainda mais as coisas. Sem acordo, 2021 vai terminar sem avanços concretos na reforma que mira os servidores públicos.
Reforma Tributária
Com intenção de simplificar e aperfeiçoar o sistema tributário do país e aumentar a popularidade com mudanças no Imposto de Renda, o Palácio do Planalto passou a cobrar a tramitação de reforma tributária no Congresso Nacional. Na época, duas propostas já estavam em discussão: a PEC 45, do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), e a PEC 110, do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).
A proposta discutida no Senado era mais ampla e contava com apoio do presidente Jair Bolsonaro. Ela unia IPI, ICMS, Cide-Combustíveis, IOF, Salário-Educação, PIS, Pasep, Cofins e ISS em um único tributo: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ou Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Já a PEC 45 previa a junção de cinco desses impostos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) em um IBS. A proposta, segundo especialistas, era a melhor alternativa em curto prazo para melhoria do sistema tributário.
O texto de Baleia Rossi, inclusive, foi discutido por uma comissão conjunta da Câmara e Senado que analisava o tema. O relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), juntou trechos da PEC de Alcolumbre na proposta da Câmara.
Entretanto, a medida ficou longe de avançar no Congresso Nacional. Eleito presidente da Câmara em uma disputa contra Baleia Rossi, Arthur Lira anulou a comissão e justificou a demora para a conclusão dos trabalhos.
Leia Também
Leia Também
Embora a atitude tenha sido vista como um “ataque” a Rossi na época, o novo presidente da Câmara logo tratou de colocar panos quentes na polêmica e passou a apoiar a divisão da Reforma Tributária em dois projetos de lei enviados pelo governo.
“Um dos projetos propostos do governo federal cria a CBS, a Contribuição sobre Bens e Serviços, que basicamente é a unificação de diversos impostos para uma alíquota de 12% para as empresas em geral e 5,9% para entidades financeiras. Ela ficou um tempo parada devido às discussões necessárias para aprovar uma reforma de tributos e acaba sofrendo resistência na medida em que está aumentando as alíquotas principalmente para o setor de serviços”, lembra Takano, professor do Ibmec-SP.
Enquanto um trecho da proposta previa a junção de impostos em uma alíquota única, outro trazia alterações no Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas.
Para conseguir aumentar a popularidade do governo, o Ministério da Economia iniciou estudos e propôs um aumento na faixa de isenção do IR para R$ 2,5 mil – na prática, quem ganha até esse valor por mês não pagaria Imposto de Renda. A sugestão teve apoio dos congressistas no primeiro momento, mas alterações no texto fizeram a proposta esfriar.
A polêmica ficou por conta da ideia de cobrar imposto sobre dividendos no IR. A proposta foi rechaçada pelo mercado financeiro e criticada por empresários. Uma das preocupações era que a medida diminuísse os investimentos em ações e prejudicasse a arrecadação das empresas.
Após diversas negociações, Congresso, Planalto e empresários entraram em acordo sobre a iniciativa e optaram por cobrar uma taxa de 15%.
O texto também corta a redução da alíquota do IR para pessoas jurídicas. Caso seja aprovado pelo Congresso – falta o Senado – e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o imposto cairá de 15% para 8% nos próximos anos.
As discussões na Câmara dos Deputados ficaram acirradas, mas, enfim, Lira conseguiu pautar a matéria em plenário. Os parlamentares decidiram pela aprovação da medida por 398 votos a 77.
Enviada ao Senado, a proposta está travada na mesa do relator, Ângelo Coronel (PSD-BA). O texto que trata da unificação de impostos também está parada, na mesa do senador Roberto Rocha (PSDB-MA).
“Não tem clima para isso. Eles podem debater neste primeiro momento, mas ainda faltam discussões que precisam ser feitas para alterar completamente o sistema tributário”, ressalta o especialista.
No entanto, Takano acredita que as eleições de 2022 podem atrapalhar os planos do governo e atrasar ainda mais a discussão das reformas administrativa e tributária.
“Eles quiseram agradar mercado e pessoa física, mas esbarraram em diversos trechos controversos que acabaram afastando esse apoio. Por ser ano de eleições e os debates estarem acalorados, acho difícil ser colocado em pauta em 2022”.