O crescimento dos crimes de ódio é uma realidade alarmante. Por muito tempo, a violência era erroneamente associada apenas a agressões físicas, mas agora percebemos que pode assumir diversas formas, abrangendo desde atos individuais até ações de grupos. Essa preocupante situação está gerando uma crise na sociedade, caracterizada pelo crime de ódio.
Os crimes de ódio são caracterizados por serem direcionados às pessoas com base em características como raça, etnia, cor, origem nacional ou territorial, sexo, orientação sexual, identidade de gênero, religião, ideologia, condição social, física ou mental.
Nessa busca por compreender melhor a convivência das vítimas de crimes relacionados ao racismo, investigamos relatos de vítimas e ouvimos especialistas que analisaram os avanços e desafios enfrentados.
Juliane Araújo, uma pedagoga de 24 anos, compartilha com detalhes como foi vítima de um crime de racismo em uma papelaria na Zona Leste de Manaus. Ela conta: “Fui à papelaria com minha mãe para comprar papel contact e, enquanto olhava canetas e agendas, uma moça, provavelmente a gerente ou dona da loja, mostrou uma caneta e informou o preço. Educadamente, recusei a oferta e devolvi a caneta para minha mãe colocá-la de volta na prateleira. Em seguida, fui acusada por ela de ter pego a caneta. Eu neguei categoricamente, mas ela continuou insistindo, o que me deixou desesperada, pois nunca havia passado por algo assim”.
“Em seguida, minha mãe mostrou onde estava a caneta. A atendente não pediu desculpas nem fez qualquer retratação. Saí da loja me sentindo muito mal, pois nunca havia passado por uma situação como essa’, completa Juliane.
Ela relata ter registrado um boletim de ocorrência e uma ação judicial contra o estabelecimento, porém não obteve êxito. ‘Infelizmente, o processo não resultou em nada na justiça. Esse tipo de impunidade é desanimador para as vítimas de racismo e crimes similares. Até hoje, meu caso não teve nenhum desfecho adequado’, lamenta Juliane.
Na visão do presidente do Instituto Nacional Afro Origem (INAÔ-AM) e ativista das causas raciais, Christian Rocha, os poderes devem estar mais envolvidos na causa negra, compartilhando informações sobre casos de crime de racismo e aplicando a rigidez das leis, para evitar que novos incidentes ocorram. “É imprescindível que todos os operadores do direito e magistrados se sensibilizem e obtenham informações sobre o racismo estrutural e casos semelhantes, para que a aplicação das leis relacionadas ao racismo seja efetiva e desestimule esse comportamento criminoso. Infelizmente, não possuímos poder de Polícia, e muitas pessoas ofendem indivíduos negros com disposição e a sensação de impunidade, acreditando que nada mudará’, destaca Christian.
O debate sobre o racismo e suas consequências deve ser intensificado nas instituições de ensino, para que a próxima geração esteja ciente da gravidade desse problema na sociedade negra do Brasil. “As escolas, faculdades e todas as instituições que lidam com o público precisam debater cada vez mais esse tema. A violência contra pessoas negras não diminuiu, e é fundamental abordar essa questão em todas as idades, desde crianças até idosos negros, que enfrentam diariamente o racismo. Historicamente, a imagem das pessoas negras foi relegada a uma posição subalterna, afastada dos cargos de destaque, e é surpreendente ver pessoas negras ocupando posições importantes”, ressalta Rocha.
Embora o Brasil seja considerado um país racista, muitas pessoas evitam enfrentar essa realidade e evitam debater sobre a causa negra. “Somos um dos países mais racistas, e não podemos ignorar esse fato. Muitas pessoas afirmam que somos iguais para fugir da responsabilidade de enfrentar a questão, ou até mesmo culpam o negro por criar o próprio racismo para não encarar a realidade. A verdade é que o negro é preterido, e muitos preferem manter o silêncio para evitar constrangimentos”, enfatiza o presidente do INAÔ-AM.
Ao questionar a luta em prol das causas raciais no Estado, Christian destaca a falta de representantes negros nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. “O movimento tem travado debates em diversos lugares, mas é essencial que as leis sejam respeitadas. A lei da matéria da África completou 20 anos, mas o que temos sobre essa temática? Secretarias e o ministério têm convidado educadores para aprimorar a abordagem desse assunto, mas ainda há muito a ser feito. No poder Legislativo, não temos representantes que defendam a causa negra, e nenhum partido parece ter interesse em promover essa representação. O Executivo apresenta manifestações fracas, mas já notamos alguns avanços. No Judiciário, o interesse em fazer cumprir os direitos constitucionais da população negra ainda é pouco perceptível, mesmo após uma longa luta por inclusão, como as cotas nas instituições e na política, que têm sido alvo de usurpação. Portanto, pedimos respeito e igualdade para o povo negro’, conclui o ativista da causa negra no Amazonas.”
Fique atento às próximas matérias, nas quais iremos aprofundar nosso entendimento sobre o racismo estrutural somente em Manaus.