SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Elizabeth Conechu Damaceno, 36, é professora há 12 anos em uma escola estadual dentro da comunidade indígena Índia Vanuire, em Arco Íris (523 km de São Paulo), onde vive. A docente leciona matemática e ciências da natureza e está entre os 40 professores que iniciaram, no mês passado, a licenciatura intercultural indígena, graduação inédita oferecida pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Todos os professores selecionados são indígenas e dão aulas para turmas em suas próprias comunidades nos anos iniciais do ensino fundamental, em escolas de territórios pertencentes os povos tupi, guarani, kaingang, krenak e terena, todas em São Paulo.

A proposta é proporcionar uma formação docente mais ampla do que a de curso de pedagogia regular, com atenção especial às especificidades das comunidades e aos conhecimentos tradicionais. O curso terá duração de quatro anos, sendo parte presencial na universidade e outra nas comunidades.

Para Damaceno, que é da etnia krenak, o curso é essencial para obtenção de outros conhecimentos, mas também para o fortalecimento da cultura e garantia ao direito a uma educação indígena.

“Com essa formação, garantimos a continuação do aprendizado dentro da escola de nossa comunidade sem que nossos filhos e parentes tenham que sair daqui para estudar.”

A docente afirma que a possibilidade de os alunos terem acesso a disciplinas da grade curricular regular e também aprenderem sobre a própria cultura, costumes e contato com língua materna é um avanço.

“Assim os nossos jovens podem se formar, mas não perderão a sua verdadeira identidade, poderão voltar para a nossa comunidade formados e lutar também pelos nossos direitos.”

Ela diz que sempre sonhou em ser professora, pois o pai foi um dos primeiros professores indígenas da comunidade.

“Ele ensinava a língua materna e artesanato. É motivo de grande alegria para nós hoje vermos alunos que estudaram conosco desde a pré-escola formados em faculdades.”

Atualmente, cerca de 1.500 alunos estão matriculados nas 40 unidades escolares da rede estadual em funcionamento em aldeias indígenas. Dessas, três são de ensino integral. As unidades estão nas diretorias de Bauru, Caraguatatuba, Itararé, Miracatu, Penápolis, Registro, Santos, São Vicente, Tupã e em duas são da capital paulista, nas regiões norte e sul.

Para a doutora em antropologia pela UnB (Universidade de Brasília), Eliane Boroponepa Monzilar, do povo Balatipone-Umutina (MT), esse tipo de formação é muito importante para os povos indígenas e para o movimento indígena, uma vez que contempla o conhecimento regular e o indígena.

“Há uma valorização dos saberes indígenas, da língua, questões culturais, respeito à diversidade, além da divulgação e respeito pela cultura.”

Eliane destaca que em várias comunidades os conhecimentos indígenas vem ficando fragilizados e cursos do tipo contribuem para o fortalecimento dos saberes tradicionais indígenas.

“Os professores poderão trabalhar aspectos como manejo da terra, danças e comidas típicas, pesquisar o que era feito na comunidade pelos antepassados e repassar aos alunos. Hoje muitos jovens não praticam a língua não porque não querem, mas por terem perdido o contato com a cultura.”

O projeto pedagógico do curso foi elaborado em parceria com as comunidades indígenas, a partir de documento resultante do grupo de trabalho “Por uma Licenciatura Indígena no estado de São Paulo”, integrado por professores indígenas indicados pelo Fórum de Articulação de Professores Indígenas de São Paulo.

O secretário-executivo da secretaria, Vinicius Mendonça Neiva, destaca que a implementação de uma licenciatura intercultural é uma reivindicação antiga do fórum, em parceria com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e universidades federais e estaduais paulistas.

“Porém somente no ano passado, a atual gestão conseguiu, enfim, estreitar o diálogo com a Unifesp, concretizar a estrutura do curso e, assim, garantir a qualificação de nossos professores.”

Segundo a pasta da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), os candidatos selecionados foram avaliados por uma banca, além de reconhecer-se indígena e ser reconhecido (a) como membro de povo indígena pela comunidade onde vive, eles precisavam residir em terra indígena oficialmente reconhecida ou reivindicada no estado de São Paulo, e ter concluído o ensino médio até o fim de 2023.

“É fundamental que continuem abrindo vagas para que novos professores se formem, pois precisamos que nossos jovens continuem ensinando as novas gerações”, diz Elizabeth Damaceno.

“É um momento significativo para as comunidades indígenas do nosso estado, pois reconhecemos a enorme lacuna existente em relação à qualidade da educação nas escolas indígenas. Esse curso marca o início de uma nova era. Estamos empenhados em trabalhar para que mais formações sejam oferecidas para professores e estudantes, respeitando a diversidade cultural dos povos indígenas”, afirma o cacique Cristiano Kiririndju, coordenador de políticas públicas para os povos indígenas da Secretaria da Justiça e Cidadania.