SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dados preservados fora do sistema da Meta, dona do Facebook, podem permitir acesso a um post deletado do perfil de Jair Bolsonaro (PL) e que, segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), é fundamental para apresentar denúncia contra o ex-presidente por incitação aos atos do 8 de Janeiro.
Em resposta ao STF (Supremo Tribunal Federal), a Meta afirmou não ter mais em seus servidores o conteúdo solicitado.
No entanto um site sem relação com a empresa, chamado Metamemo, capturou o post de modo automatizado enquanto ele ainda estava na conta de Bolsonaro e armazenou seu conteúdo junto a outras informações sobre a publicação.
O uso de registros externos à Meta, porém, dependerá de validação de perícia externa para que eles sejam considerados como prova pelo Judiciário, segundo especialistas ouvidos pela Folha. Eles explicam, no entanto, que uma resposta enviada pela dona do Facebook seria a prova mais robusta de que o perfil de Bolsonaro de fato postou o conteúdo alvo de investigação.
Procurado pela Folha, o Ministério Público Federal disse que ainda não foi informado sobre o vídeo arquivado pela Metamemo e que não adianta posicionamento.
Postado por Bolsonaro em 10 de janeiro, o vídeo em questão foi produzido por um terceiro e mostrava um homem identificado como Dr. Felipe Gimenez, que atacava a segurança das urnas eletrônicas. A publicação trazia ainda as frases “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF e TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”.
Apesar de o vídeo ser posterior aos ataques de 8 de janeiro, ele foi utilizado no pedido da PGR para que Bolsonaro fosse incluído no inquérito que apura a instigação e autoria intelectual dos ataques golpistas que resultaram na depredação da sede dos três Poderes, em Brasília.
Raquel Saraiva, advogada e presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife, explica que um ponto mais delicado, para além da preservação do vídeo em si, é a comprovação de que a conta do ex-presidente quem fez a postagem.
“[A validade como prova] depende muito do método que foi utilizado para coletar essa evidência”, diz ela.
Carlos Affonso Souza, advogado e diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), avalia que o post capturado pela Metamemo pode vir a ser usado como um indício de prova, mas não com a mesma força que seria uma informação direta do Facebook.
“[Mas] no caso específico do vídeo do Bolsonaro, me parece que os indícios de provas são abundantes”, diz ele, apontando em especial a repercussão na imprensa, mas também a própria reverberação na rede social a partir da publicação.
Em depoimento à Polícia Federal em abril, o próprio Bolsonaro não teria negado a publicação, mas sim alegou ter publicado o vídeo por engano, sob efeito de medicamentos. As justificativas foram dadas no âmbito do inquérito que mira os autores intelectuais dos ataques.
Marta Saad, advogada e professora de direito processual penal da USP, diz que um ponto importante em relação a provas digitais é demonstrar que não houve adulteração.
“Elas precisam de registros documentais que atestem que aquilo é alguma coisa confiável, íntegra, autêntica”, diz. “Uma coisa é a própria Meta fornecer. Agora, outras informações precisam de uma prova pericial que analise esses metadados.”
José Antonio Milagre, perito especialista em crimes cibernéticos, diz que a análise técnica pode envolver um exame sobre a plataforma utilizada para fazer essa coleta.
“Pediria para ver se alguém consegue editar a base de dados e inserir esse vídeo sem que isso estivesse na rede social, que ele me mostrasse os metadados e as assinaturas que asseguram que isso foi crawleado [coletado] do Facebook”, exemplifica ele.
Milagre adiciona ainda que, com os dados do site externo, seria possível ainda questionar ao Facebook se eles poderiam ao menos confirmar se o link capturado de fato existiu, o que tornaria a evidência mais robusta.
O Metamemo se apresenta como um sistema criado para “coletar, armazenar, processar e visualizar as memórias de um perfil” nas principais redes sociais da internet, para uso por ativistas, jornalistas e pesquisadores. O projeto diz ter armazenado mais de 100 mil conteúdos produzidos por Bolsonaro e seus filhos desde fevereiro de 2022.
Uma outra controvérsia no caso é quanto à ordem de Moraes para que Meta fornecesse os dados em 48 horas, sob pena de multa no valor de R$ 100 mil por dia de descumprimento, que foi emitida no último dia 5 de dezembro, um dia depois de a PGR reiterar a solicitação do material.
Segundo os autos do processo, o material de fato já havia sido solicitado em janeiro pela PGR, quando Moraes determinou a preservação do conteúdo para posterior entrega. Em julho a Procuradoria já tinha reforçado o pedido, desembocando em uma nova decisão de Moraes no início de agosto.
Em 17 de agosto, a Meta informou que não tinha sido intimada da decisão de janeiro e que não tinha mais o conteúdo em seus servidores. A informação foi repetida em 4 de dezembro.
Na decisão de 5 de dezembro, Moraes não toca no assunto, por exemplo, para rebater a empresa.
Ao mencionar a resposta da plataforma, o ministro se limita a afirmar: “Em resposta, a empresa Meta Platforms,INC. apresentou a petição eDoc. 2378”, sem adentrar nos argumentos apresentados por ela.
Neste ponto, os entrevistados avaliam que, confirmada a falta de intimação da ordem de preservação, não cabe multa no caso de a empresa afirmar não possuir mais o conteúdo.
Segundo a lei brasileira, não há uma obrigação para que as redes sociais guardem o conteúdo postado, salvo se houver uma ordem de preservação.
“Se é uma ordem de cumprimento impossível, me parece que essa sanção não é devida”, diz Carlos Affonso.
“Obviamente a Meta não tem como fazer prova de que não recebeu a intimação, mas o gabinete do ministro ou quem estava responsável por isso deve fazer prova de que, de fato, a Meta recebeu essa intimação”, afirma Raquel Saraiva.