Há pouco mais de quatro anos, durante debate na RedeTV!, a reação do então deputado Jair Bolsonaro a pautas classificadas como feministas foi o assunto mais comentado ao fim do embate. Assim como no encontro promovido pela Band neste domingo, o candidato ficou visivelmente incomodado ao ter seu comportamento em relação às mulheres confrontado ao vivo. Em 2018, pela adversária Marina Silva (Rede). Anteontem, pelas senadoras Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União). Em comum, a defesa da paridade de gênero e o fim da violência política contra as mulheres.
Ontem, entre avaliações de quem perdeu ou ganhou mais com o debate, um consenso entre especialistas: o combate à discriminação feminina praticada publicamente se incorpora agora às temáticas mais relevantes da eleição presidencial. Após o encontro, conforme levantamento da Torabit, empresa parceira do Estadão na criação da ferramenta Monitor de Redes Sociais, entre o meio-dia de domingo e o meio-dia de ontem, Simone e Soraya ganharam protagonismo, recebendo 10,9% e 10,3% das menções no mesmo período, se colocando à frente de Ciro Gomes (6,6%) e Luiz Felipe dAvila (2,8%) – Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 33,8%, e Bolsonaro (35,58%) lideraram.
De acordo com a cientista política Graziella Testa, da FGV-SP, essa tendência se deve ao preparo das mulheres. “Esses temas já estavam nos planos das campanhas, mas o preparo mostrado tanto pela Vera Magalhães (jornalista atacada por Bolsonaro) como pela Simone Tebet resultou não apenas no deslize de Bolsonaro, mas na dificuldade pública de os candidatos homens lidarem com essas questões.”
Segundo Graziella, há um embaraço de se conversar de igual para igual. “É hora de eles (candidatos à Presidência) entenderem de fato quais são suas questões e o que precisam fazer para não transparecer tanto essa falta de familiaridade em estar de igual para igual com uma mulher no âmbito público”, afirmou.
A agressividade e o destempero demonstrados especificamente pelo presidente diante de temas que envolvem 52% da população – e do eleitorado -, são, na visão da advogada Sheila de Carvalho, uma prova de que essa é uma prática deliberada do presidente.
“Ele (Bolsonaro) joga para um nicho de apoiadores que acredita que as mulheres são inferiores e que podem ser domadas sob uma perspectiva de violência. Assim como outros políticos, ele ainda não entendeu que a agenda de mulheres não é transversal ou identitária, mas estrutural, assim como o racismo”, disse a especialista em direitos humanos e integrante da Coalizão Negra.
A reação das redes bolsonaristas reforça a fala de Sheila. Não foram poucos os perfis no Facebook e no Instagram que comemoraram a resposta dada por Bolsonaro a Vera Magalhães – “Você deve dormir pensando em mim” – ou atacaram Soraya ao relembrar o apoio dado por ela em 2018 a Bolsonaro. Agora, a senadora virou “traíra”.
Fora da bolha, a violência política transmitida pela TV teve outras nuances: a risadinha de Ciro Gomes (PDT), as escolhas dos candidatos homens na ordem das perguntas (deixando as candidatas para o final) e a falta de entendimento de Lula sobre paridade nos ministérios. “Não se trata de uma questão de meritocracia”, disse Sheila.
Desafio
Para o cientista político Antonio Lavareda, ao escolher falar para seu nicho, Bolsonaro tende a aumentar a diferença que existe em seu eleitorado quando se trata dos apoios entre homens e mulheres. “Um dos desafios da campanha tem sido avançar no segmento feminino, expondo cada vez mais, por exemplo, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Mas episódios como o de ontem só reforçam esse gap.”
Lavareda disse que a campanha de Bolsonaro e as demais terão de incorporar de forma mais vigorosa a temática feminina em seus discurso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.