Vírus H1N1 que circula atualmente vem da cepa de 1918; mutação é um mecanismo de sobrevivência e de perpetuação dos vírus.

A pandemia da gripe espanhola, que ocorreu em 1918, teve variantes, assim como a de covid-19 que o mundo enfrenta hoje, segundo o epidemiologista Eliseu Waldman, professor da Faculdade de Saúde Pública, da USP (Universidade de São Paulo). “O H1N1 que circula atualmente evoluiu, mas vem daquela cepa que emergiu em 1918”, afirma. “A bula da vacina contra o influenza menciona cepas variantes que mudam anualmente”, acrescenta. 

Waldman afirma que não havia recursos na época para a identificação de novas cepas, mas que uma análise posterior do vírus foi possível a partir da recuperação do corpo de uma vítima da gripe espanhola que teria ficado congelado em uma região fria do planeta, como o Ártico. 

Supõe-se que o surgimento de variantes interferiu no curso da pandemia da gripe espanhola, já que teve três ondas e durou em torno de dois anos, assim como vem influenciando a pandemia atual de covid, que já leva um ano e meio.

Segundo o epidemiologista, o comportamento semelhante desses microrganismos se deve ao fato de ambos – tanto o influenza, que causou a gripe espanhola, quanto o coronavírus, que provoca a covid-19 – serem vírus de RNA. “É uma característica genética que confere grande capacidade de mutação e recombinação, ou seja, de alteração genética com mudança de comportamento”, explica. 

No momento, a OMS (Organização Mundial da Saúde) classifica quatro variantes do coronavírus como “de preocupação”: Alfa (Reino Unido), Beta (África do Sul), Gama (Brasil) e Delta (Índia). Segundo o órgão, a variante Delta já é predominante no mundo pela sua grande capacidade de transmissão. No Brasil, a Gama é mais frequente, mas foi comprovado que a Delta já prevalece nas cidades de São Paulo e no Rio de Janeiro.

Variantes prolongam pandemia

O prolongamento da pandemia é uma das consequências das variantes. Waldman explica que a mutação é um mecanismo de sobrevivência e de perpetuação desses microrganismos. “Boa parte das variantes não agregam uma capacidade especial ao vírus e ele desaparece. Sobrevivem os que são mais rápidos. São eles que mantêm a espécie viva e, portanto, junto com a capacidade de transmissão, mantêm ou aumenta a capacidade de provocar a doença, levando ao prolongamento da pandemia”, diz. 

Sem vacina, a pandemia da gripe espanhola acabou por meio da imunidade adquirida naturalmente pela população – um custo muito alto, conforme ressalta o epidemiologista. Acredita-se que entre 50 milhões e 100 milhões de pessoas morreram em decorrência da doença, o equivalente, na época, a 5% da população mundial. Cerca de 500 milhões de pessoas foram contaminadas. “A população era bem menor, mais jovem e mais agrária. A expectavita de vida era mais baixa. Uma composicão bem diferente”, observa. “O preço pago foi bem maior do que nós estamos pagando, que não é pequeno”, completa.

O pior já passou?

Os que sobreviveram adquiriram imunuidade, mesmo que parcial, ao vírus influenza, que continuou circulando, mas levando a quadros menos graves da gripe, segundo Waldman. “É o que as vacinas fazem hoje”, afirma. “Essa é mais uma evidência de que a gripe espanhola teve variantes. Para se proteger do vírus atual, é preciso tomar a vacina anualmente. E a composição dos imunizantes mudam em função dos vírus que estão circulando. Eles mudam, mas não totalmente”, acrescenta. 

Com grande parte da população imunizada, seja pela ação da própria doença – como aconteceu com a gripe espanhola – seja por meio de vacinas, como vai ocorrer com a covid -, caem os casos de doença grave e de morte e o vírus passa a ser endêmico. “Ele continua circulando, consegue se manter na comunidade, mas perde a capacidade de matar um grande número de pessoas. A partir desse ponto, se torna bem menos perigoso”, explica. 

Para o epidemiologista, “há ainda de se conferir se grande parte do processo já está cumprido”. “Não sabemos ainda se as novas variantes vão dar muito trabalho. A Delta, em alguns países, está criando situações bem adversas, como em Israel, onde estava tudo liberado e voltaram a fechar”, diz.

“A capacidade de transmissão da Delta é bem maior e por isso acaba substituindo as outras variantes. Não se sabe exatamente como ela vai se comportar em relação à cepa brasileira [Gama], que também tem grande capacidade de transmissão. No Rio de Janeiro, aparentemente ganhou e tudo indica que será assim no resto do país. É preciso tomar cuidado para evitar essa transmissão”, conclui.

Com informações do R7