SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A lei que obriga planos de saúde a arcarem com tratamentos fora da lista de referência da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) não teve impactos verificáveis na judicialização contra empresas do setor em seu primeiro ano de vigência.

Esta é a principal conclusão de uma pesquisa realizada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) em parceria com a PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), que analisou cerca de 40 mil processos distribuídos em primeira instância no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) entre janeiro de 2019 e agosto de 2023.

O estudo considerou somente as ações judiciais motivadas por negativas de cobertura. O objetivo era verificar efeitos da legislação publicada em setembro de 2022, que colocou fim ao chamado rol taxativo da ANS e estabeleceu que a lista de procedimentos da agência serve apenas como referência para planos de saúde –garantindo cobertura de outros tratamentos, desde que tenham comprovação científica.

A lei foi aprovada pelo Congresso Nacional como reação a uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que meses antes tinha desobrigado operadoras de custear procedimentos não incluídos na lista.

Na época, advogados consultados pela Folha alertaram que a nova lei do rol poderia impulsionar o número de ações na Justiça contra convênios médicos –o que não se verificou na prática, segundo a pesquisadora Marina Magalhães, do programa de saúde do Idec.

“A nossa interpretação é que pelo menos nesses 11 meses depois da publicação da lei do rol, a gente não consegue observar uma variação que possa ser explicada pela mudança, seja para baixo ou para cima”, afirma.

Os pesquisadores observaram que já existia uma tendência de alta nos processos no início do período analisado, e que ela foi impulsionada durante a pandemia. Em janeiro de 2019, negativas de cobertura motivaram 256 novas ações na corte paulista, número que saltou para 522 no final daquele ano.

O nível de judicialização continuou escalando em 2020, ano que foi marcado pelo início da pandemia de coronavírus. A crise sanitária fez com que o indicador oscilasse para baixo em abril e maio, mas voltasse a subir em seguida. No segundo semestre, o patamar médio se manteve próximo de 1.000 novas ações por mês.

O volume de ações atingiu pico em março de 2022, quando o TJ-SP recebeu 1.181 novos processos, mas foi seguido por queda gradual durante o resto do ano. “Com o arrefecimento da pandemia, esses números já vinham caindo, e essa trajetória de queda não foi alterada pela lei do rol”, disse Magalhães.

O crescimento foi retomado em 2023, e em agosto –um mês antes das alterações no rol completarem um ano –o número de processos atingiu patamar próximo ao pré-pandêmico, com 578 ações.

Segundo o estudo, negativas de tratamento médico-hospitalar foram a principal causa de judicialização, correspondendo a 82% do total. Em seguida vem o fornecimento de medicamentos, que motivou 16% das ações.

Os pesquisadores conseguiram identificar as principais condições de saúde que tiveram tratamento negado por convênios médicos em 16,8 mil dos casos analisados. No topo da lista vêm os transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo (18%). Em seguida os transtornos mentais e por uso de substâncias (11,2%) e diferentes tipos de tumores (8,7%). Há ainda doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas –todos grupos com histórico de judicialização.

“São os mesmos problemas de sempre que continuam acontecendo, porque no fim das contas, a lei do rol não resolveu os problemas que de fato afetam os consumidores de planos de saúde”, afirma Magalhães.

Atualmente, a questão está em disputa no STF (Supremo Tribunal Federal). Em novembro de 2022, a Unidas (União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde), entidade que representa operadores de saúde sem fins lucrativos, impetrou uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) na corte para suspender os efeitos da nova legislação. Ainda não há previsão para que o processo seja julgado.